segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

última vez.




Um piano azul-marinho, com notas não decoradas.
A música na cabeça...
eu finjo estar em um filme
sem falas.
Crio na minha realidade inventada
tantas vezes motivo de risada
a minha forma de dizer "Até logo"
Acordada
eu sonho com um lugar imenso
cheio de ruas e nuvens
com suas mãos nos meus cabelos.
Dormindo
A brisa atravessa os fios metade ouro, metade lata
Jogo minhas felicidades em um mar forte
que arranca meu calor
e me cobre do frio.
Seu último sol
brilhou pra mim.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Pensamentos de quinta-feira.




A tarde já acabou
o livro está no final;
Espero dezembro chegar
mas só sou feliz no carnaval.

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Os riscos são mais fortes
e menos alinhados
A sorte chama
basta estar acordado.

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A blusa florida
a saia de renda
Cadê o sol?
A gente inventa.

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Você prende meus braços
eu te olho com entusiasmo
A cama range, isso é fato.
De manhã
o café está gelado.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Idade Maior.


Aos 18 anos, ela cortou o cabelo comprido. Sempre foi de fazer promessas, mas fazia a longo prazo e perdia a paciência de cumprir.
Aos 18 anos, ela aprendeu a ter paciência.
Aos 18 anos, ela viu o nome dela em uma lista no jornal. Nunca apareceu no jornal, sempre foi muito discreta, não gostava de chamar a atenção mesmo...
Aos 18 anos, ela passou uma semana na maior cidade do país. As imagens ainda estão no coração dela.
Aos 18 anos, ela chegou na capital.
Aos 18 anos, ela arrumou um lugar novo para morar, tinha uma ponte linda, um vento gostoso...
Aos 18 anos, seu quarto ficou menor, mas a amizade era gigante.
Aos 18 anos, ela acordava com uma alegria diferente, como se sua vida fosse poesia.
E era.
Aos 18 anos, ela conheceu um novo jardim muito jovem e muito lindo. As pétalas das flores eram radiantes, ela sorria só de vê-las.
Aos 18 anos, ela deixou de ser sedentária...e começou a dar MUITO valor as passagens de ônibus.
Aos 18 anos, ela adorava andar de elevador, principalmente ir no quinto andar. Era como se certos sonhos dela se realizassem ao abrir uma porta amarela, bem no final do corredor. Era uma das melhores horas do dia.
Aos 18 anos, ela comemorou o primeiro dia dos namorados.
Aos 18 anos, ela dava risadas com seus irmãos mais velhos no carro de um deles, uma das melhores lembranças que ela leva no coração.
Aos 18 anos, ela vestiu um uniforme branco e o hospital virou sua sala de aula.
Aos 18 anos, ela sujou suas calças jeans 32 vezes por causa da chuva.
Aos 18 anos, ela sentiu saudades.
MUITAS saudades.
Aos 18 anos, ela assistiu os melhores filmes de graça, todas as quintas-feiras às 18:30h.
Aos 18 anos, ela assistiu dois shows em um só. Foi inesquecível.
Aos 18 anos, ela ganhou um autêntico tsuru da Liberdade.
Aos 18 anos, ela começou a fazer academia escutando música sem parar.
Aos 18 anos, ela experimentou cereal com yogurte e gostou.
Aos 18 anos, ela brigou muitas vezes com os pais e percebeu que os amava mais que tudo.
Aos 18 anos, ela percebeu que um ano passa rápido e o amor só cresce.
Aos 18 anos, ela fez um blog.
Pela primeira vez, pessoas leram seus textos. Ela ainda tem um pouco de vergonha disso.
Aos 18 anos, ela lavou seu banheiro.
Aos 18 anos, ela assistiu uma aula de Direito Romano.
Aos 18 anos, ela viu uma super peça do Nelson Rodrigues.
Aos 18 anos, ela chorou de saudades de casa.
Aos 18 anos, ela é uma mulher.
Aos 18 anos, ela descobriu as vantagens de viajar com ônibus executivo.
Aos 18 anos, ela gostava de acordar cedo e ir na Beira-Mar andar.
Aos 18 anos, ela engordou, emagreceu, engordou, emagreceu.
Aos 18 anos, ela ficou sabendo que ia embora da Ilha.
Aos 18 anos, ela enfrentou o centro urbano com muito medo, mas enfrentou.
Aos 18 anos, ela chorou ao ouvir uma ópera italiana.
Aos 18 anos, ela voltou a usar óculos.
Aos 18 anos, ela leu 154698745236987451369985446895416 folhas de xerox.
Aos 18 anos, ela comeu laranja e farofa. E gostou.
Aos 18 anos, ela enfrentou filas e mais filas.
Aos 18 anos, ela foi de novo para a maior cidade do país, ela e mais 40 pessoas.
Aos 18 anos, ela gostava de caminhar pelas árvores, perto da biblioteca, só para ver aquele pátio gigantesco, sua nova casa.
Aos 18 anos, ela começou a tomar café.
Aos 18 anos, ela aprendeu umas frases em espanhol como "No me gusta."
Aos 18 anos, ela teve conversas sem censura, risadas maliciosas, perguntas indiscretas e respostas reveladoras.
Aos 18 anos, ela percebeu como é bom ser sua melhor companhia.
Aos 18 anos, ela gostou de não ter cortina no quarto, podia ver o céu toda vez que acordava.
No último dia com 18 anos, ela se despediu da antiga idade com cabelos novos, sentindo o sol queimar na pele e com uma vontade intensa de andar por aquele chão que sonhou tanto em pisar.
Nos últimos segundos com 18, ela sabe que sua vida vai mudar.
Agora, ela tem 19.
Mas foi aos 18 que ela se viu pela primeira vez,
Maior.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Esperando na chuva.







Quando amanhece em uma Ilha,
chega a ser contraditório não ver o sol.
Ela esperava no ponto de ônibus todos os dias.
Quando ele a beijava
o guarda chuva abria.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Emergência.


Quando o vidro é sujo
pelas baforadas inquietas
de uma pobreza piedosa,
os olhos abertos
recebem os tapas reais.
A vontade é escutar a história
de cada foto 3X4 encardida.
No poeta,
falta oxigênio na alma.
No povo,
no corpo.
E eu
que achava verdades ruins nas esquinas,
vivo em um aquário
que mostra a certeza
das pequenas aflições.
E, apesar de tudo,
acredito em milagres
ao ver sorrisos vazios.

domingo, 19 de outubro de 2008

Doença curada.


Quando recebeu aquele cartão meio pequeno, J. achou tão bonito.
Até que ficara bem na foto. Só não gostou de uma coisa: Era preto e branco e não dava para ver que os olhos eram verdes.
A mulher bonita do balcão usou um carimbo no espaço vazio perto da foto.
"NÃO ALFABETIZADA"
J. não entendeu o motivo do carimbo, mas não importava, ela estava feliz por mostrar que era "oficialmente" alguém.
Casou-se com 16 anos e 11 meses, quase 17.
Queria casar no dia do seu aniversário, mas sua mãe não deixou, casar com 17 anos já era tarde.
Teve 10 filhos, 8 meninas e 2 meninos. Foi bom ter várias meninas, J. tinha um problema sério de asma, precisava de ajuda nos afazeres domésticos.
54 anos depois de receber a identidade, ela marcou uma consulta no hospital público da capital, precisava urgentemente de um pneumologista.
13 horas ela estava na frente do ambulatório.
- Tenho consulta marcada - Ela tinha uma voz rouca, os olhos bem abertos.
Entregou o papel para a menina que estava no balcão.
- Tem a sua identidade, senhora? - A menina disse olhando para o papel amarelo que já fazia parte da rotina.
J. entregou a identidade.
A menina estudava para ser professora de Português, estava no começo da faculdade, um pouco insegura para saber qual o real significado da palavra "educação", apesar de ser tímida, gostava da idéia de poder ensinar, mesmo tendo como alunos só os bonecos na época da infância.
Ela olhou as letras pequenas que representavam um grande problema.
E escreveu o nome "J." em um papel branco e entregou o amarelo à senhora.
- É só esperar no corredor aqui do lado.
2 horas depois, J. passou pelo ambulatório correndo, ia perder o horário da van.
A menina do ambulatório a viu e saiu correndo.
-Senhora! Senhora! Olha só, escrevi o nome da senhora nesse papel. Essa semana, vá fazer uma nova identidade e copie o que está nesse papel na parte que tem um espaço em branco, perto da foto. É o seu nome, sua assinatura.
J. não entendeu muita coisa, não queria uma nova identidade, gostava da sua "atual", da sua foto.
Era uma lembrança da juventude.
- Faça isso - a menina reforçou - a senhora saberá escrever seu nome! Não é bom? Daqui há 1 mês, quando a senhora retornar para uma nova consulta, quero ver uma nova identidade, hein?
E saiu correndo, o movimento do ambulatório era grande naquela época, começo de inverno.
J. fez o que a menina mandou.
Comprou um caderno e um lápis, seu marido estranhou, seus filhos também, ninguém sabia ao certo o que a mãe queria com aqueles materiais.
Nunca precisou de nada daquilo.
Mesmo assim, decidiu tentar.
Se não conseguisse, tudo bem, sua felicidade nunca dependeu do fato de ela saber ou não a ler e escrever.
1 mês depois ela voltou para o hospital, mas a menina do balcão tinha mudado.
O mesmo processo de sempre, entregar o papel amarelo, pedir a identidade e mandar esperar.
Nenhuma observação ou estranheza a respeito do novo cartão.
Antes, olhavam batante para a sua carteira de identidade, ela sempre imaginava que era por causa da foto e se sentia bonita.
J. achou que, sabendo assinar seu nome, poderia se diferenciar das pessoas, chamar a atenção.
Voltou para a casa pensando na menina professora, de como queria encontrá-la, mostrar que realmente aprendeu, ela ia ser a única que ia reconhecer o tamanho do esforço que ela teve para poder desenhar aquelas letras.
Pensou em tudo isso
e chorou ao olhar a foto velha...

domingo, 12 de outubro de 2008

Feliz cidade.



No começo,
você me chamou de medrosa,
disse que minhas lágrimas
não molhariam nem o meio fio da calçada.
Eu, pequena,
preferi aceitar suas ordens.
Até que resolvi encarar
suas feições duras.
E te agradeço por não ter
me deixado aparecer antes.
Você preparou o cenário,
a música,
o tempo.
Sem perceber,
eu tinha uma história.
Eu gosto de te olhar,
de respirar você.
Você me deu um amor de presente.
Sempre que vou,
sempre que volto,
a garoa
sai dos meus olhos.

sábado, 27 de setembro de 2008

Não viver, só recordar.


" O jardim era pequeno, mas a voz humana tem todas as notas, e os dois podiam dizer poemas sem serem ouvidos". Quincas Borba - Machado de Assis.



Comprou um sabonete rosa, na capa, uma figura de uma flor bonita.
"Extrato de Orquídea"
O banheiro era estreito, pequeno e o perfume que saía de cada parte ensaboada dizia que era dia de mudanças.
A marca da mão se arrastando no boxe era só o começo.
Ela pensava muito enquanto a água caía pelo corpo.
Quando ele disse que vinha, a primeira reação foi espantosa. Nunca achou que voltaria, até porque nunca prometera nada.
O que importa é que ele voltou, não para ficar e ela sabia disso, mas ele voltou.
Reencontros se baseiam em dúvidas. É difícil se surpreender com uma mudança a ponto de aceitar esse novo presente? É simples se lembrar de como era, se deixar levar...E fazer acontecer? É cômodo simplesmente esperar o acaso se encarregar de montar uma cena e obter um final incerto, mas feliz?
Ela escolheu se prender as velhas sobrancelhas interpretáveis.
Ele preferiu se surpreender.
Ela revivia o passado ao encontrar aquele que a segurou forte na cintura pela primeira vez
Ele só queria ganhar o beijo maduro daquela que mexia no seu cabelo com uma ternura infantil.
Enquanto ela se trocava, ele reparava no novo lar que ela construiu.
Tudo neutro, incolor, sério.
Ela apareceu com um vestido amarelo, foi aí que ele percebeu que já não conhecia mais aqueles traços antes tão roxos e verdes.
Ela repousou sua mão na dele e o levou até a sacada.
Não tinha lua, mas tinha estrelas.
- Você disse que não ia voltar - os autênticos cabelos femininos caíam nos olhos.
Ele deu a típica risada alta, como se a resposta fosse óbvia.
- Eu estar aqui já te responde. Você mudou tanto. Achei que com essa mudança, o fato de vc nunca ter confiado em mim, também mudaria.
Por que ele fazia aquilo com a sobrancelha? Sabia que a marca das melhores lembranças se limitava aquele gesto tão singular.
- Não quero ir embora.
- Não acredito em você.
Era mentira, claro. Ela sentiu saudades de beijar aquela face lisa, de arrancar a camiseta larga, de puxar os cabelos negros.
- Não é o que o seu cheiro de orquídea diz.
A mão dela ainda segurava a dele.
E elas se arrastavam.

Setembro/2008

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Começou.



Eu poderia fazer um post super adjetivo para a estação que intitula esse blog.
De fato, vontade não me falta.
No entanto, acho que o vento primaveril e as minhas flores queridas já são poemas para mim, sem palavras, sem linguagem, sem escritura.

Espero minha felicidade vir com os encantos de setembro.


Boa primavera para vocês.

Naty Sanches.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Female.



Eu peço carona de calça jeans rasgada
e ando a pé com a mochila pesada.
Meu cabelo é curto,
meus cílios também.
O sol não ilumina meus passos,
ele cega a minha miopia.
Meu suor molha
a caixa registradora
e a literatura
é o banho de todas as noites.
A pureza é alta,
mas a santidade é baixa.
O explícito não tem graça
e a lingerie
não é vermelha.
Eu provo o meu amor
ao arrepiar os cabelos da sua nuca.
A arte de dançar com as pernas
vai além da pista suja.
Meu sono é feio
e a beleza esta nos olhos...
ABERTOS.

sábado, 23 de agosto de 2008

Estrada da vida


Vestiu o vestido que tinha bolsos. Sentiu-se protegida, poderia levar sua casa naqueles bolsos sem utilizar as mãos. Bolso na vestimenta era a prova de que não gostava de chamar atenção.

Foi até o lago, no meio do caminho, encheu os bolsos de pedras.

Nunca ia até lá, o lugar não trazia as melhores recordações. Lembro que foi lá que a vi chorar pela primeira vez.

Com os bolsos cheios e a alma vazia, ela mergulhou.

Ao fechar os olhos, a água abundante era o amante que ela nunca teve. O vestido levantara, suas roupas de baixo mostravam a vontade que ela possuía de ser descoberta.

As mãos dançavam sem intenção alguma, justo ela, que calculava tanto seus gestos...

Os sapatos grossos e pretos não saíram do pé, se o caminho até o paraíso fosse cheio de pedras, ela as chutaria.

E assim, minha amiga se sentiu livre.

Uma vez, perguntei a ela o por quê de nunca soltar os cabelos, eram tão compridos...

Ela afastou os fios dos olhos e respondeu:

- Eles são pesados demais.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Quem é você?



Quem foi você?
Não quero ler seus escritos,
te conhecer pelas linhas estudadas,
admirar suas capas desenhadas
ou ouvir elogios de seus amigos.
Me encontre na escadaria nobre,
deixe-me ver seus olhos curiosos
por trás das lentes famosas.
Desconhecido,
suas amantes não te definem.
Por você,
tento amar intransitivamente.
Posso ser desvairada,
se me mostrar seu caráter.
Mexa seus pés
e me tire para dançar
os primeiros ritmos
que tanto sabes.
Meu moderno cavalheiro,
a paulicéia é louca,
apressada, encantadora.
A lua se esconde
atrás de outra modernidade.
No centro paulistano,
ouço seus passos literários
nas escadas dos meus sonhos.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Busca.



Severina,
não se conforme com a morte,
sai logo desse Norte
e vai viver uma vida.
Encontre Fabiano
do outro lado,
ele está com seus meninos,
calado.
Vai com ele,
que a Vitória
vai logo em seguida.
O Brasil é grande,
mas a fé também é.
A estrada não acabou,
não seja um José.
Aos quinze anos,
a vida tem pressa.
A água cai discreta
e se você não correr,
pode se afogar.
O sonho alimenta,
mas para comer,
é preciso, antes de tudo,
arrumar a mesa.

Agosto/2008

sábado, 19 de julho de 2008

Felicidade.



“Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incogniscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões”.

Clarice Lispector – Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres.


Era como brincar de se esconder entre os lençóis pendurados no varal. O sol já secara todos eles, mas se os tirassem dali, acabaria a brincadeira.
Ela sabia que ele estava indefeso, somente suas lembranças eram livres e nem eram tantas assim. Ele sempre foi muito egoísta, do tipo que não oferece sorvete em dia de calor, sempre reclamava de tudo, da política, da sujeira, da vida.
No entanto, ela gostava dele. Talvez pelas mãos grandes que sabiam caminhar pelo seu corpo, ou pelo cheiro de água do mar que pingava de seus cabelos, pelos beijos errados nos lugares certos, ou ainda pela segurança mútua de saber que ele se esforçava para dar o prazer que ela, carente, tanto necessitava.
Nessas horas, era a amante.
Ela se sentia bem ao perceber os olhares suplicantes dele toda vez que ela se trocava para trabalhar. Era um olhar novo a cada vez que isso acontecia, como se ela escondesse, por trás daquele jeans, um tesouro. Um olhar de menino que observa a prima mais velha. Um olhar que fala, mas quer esconder. Um olhar que quer alcançar o inalcançável.
Nessas horas, era a manequim.
Ela adorava conversar com ele, conversar não, ouvir ele falar. Era único o jeito como ele voltava da rua com um jornal e berrava a manchete para ela ouvir lá da cozinha. Adorava quando ele a convidava para ir ao teatro. Quando, do nada, ele a abraçava. Quando ele a carregava no colo ao perceber que ela adormecera no sofá. Quando ele não precisava falar nada e mesmo assim, era uma boa companhia.
Nessas horas, era a amiga.
Estava cansada de ser uma em várias. Não podia simplesmente ser a amante, a manequim e a amiga de uma vez só?
Ele chegou da rua com aquele maldito jornal e berrou com vontade a manchete para ela ouvir lá da cozinha.
Ela fez que não ouviu.
Ela vestia aquele jeans. Atravessou a sala até o quarto. Ela sabia que ele viria atrás, era tão previsível.
Ela estava tirando a blusa quando ele entrou. Desabotoou com elegância o jeans, pegou um livro que estava no criado-mudo e deitou na cama. Sua lingerie azul era infantil, mas ela não.
Ele olhou, olhou e olhou, aquele olhar pedante, que pedia o corpo dela.
E assim, ele chegou perto, pousou a mão no corpo dela e beijou errado, mas no lugar certo.
À noite, a madrugada, o dia...tudo em segundos.
Se amaram pela primeira vez, se entregaram com uma confiança absoluta.
Depois, abraçados, eles conversaram.
Cessaram dúvidas, risadas soltas, diferentes medos, mesmos gostos.
Ela era todas, e ao mesmo tempo, uma só.
Os lençóis não estavam mais no varal.

domingo, 13 de julho de 2008

Doce Lar.





Saio de cena
para ver o espetáculo.
Eu volto para a casa
e não sou personagem principal.
As estrelas do teto roxo
andam apagadas
e o chão que eu tanto pisei
agora é minha cama.
Sol.
Sinto falta do sol sem brisa
clareando os meus cabelos.
Não quero passar nas ruas sem asfalto.
São lembranças demais.
É bom voltar pra casa,
mas as histórias sobre as sereias
das Ilhas espalhadas pelo mundo
são verdadeiras.
E elas realmente
Me encantaram...


Julho/2008.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Redenção


Está escuro
e eu reconheço suas mãos.

Aperta minha cintura,

morde com loucura,
meus sussuros

não são uma oração.

A chuva que molha

está dentro de mim.

Ela não é santa,
nem abençoada.

Ela sua, somente sua.

Nua,

não abro meus braços.

Meu abraço é fechado.
Se eu soltar

o tempo te leva embora.
Não ressucito.

Pelo contrário,

vivo.

Vivo para sentir o fogo
que acende em um sopro.

Amor,

meu amor...

não é barroco.



Junho/2008

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Tentação




Larga o meu cabelo
e puxa as minhas pernas.
Não é no rosto que impera
a verdadeira emoção.
Com os olhos fechados
eu vejo.
Com a boca aberta
eu não grito.
Minha alma estática.
E nossos corpos
se unindo.
Profana o meu lençol.
Machuca a razão.
Não há soberania.
Não há respiração.
É o fogo do inferno
que me leva até o céu.

Junho/2008

terça-feira, 24 de junho de 2008

Mutação



Coloco minha calça de ginástica preta,

meu moleton amarelo

e meu lenço azul.

Com uma vassoura na mão,

varro um chão sujo de incertezas,

acumuladas,

que carecem de atenção.

Aquela caneta,

que eu escrevi minhas melhores poesias,

eu esqueci debaixo da cama,

ela não pega mais.

Eu achei uma lagartixa na minha mochila

e num instante

quase a matei.

Se fossem outros tempos, tentaria afogá-la.

Pela primeira vez, eu vejo nuvens e não telhados.

“Prefiro não ter janela”

E a cama me chama para ficar mais um pouco.

É nela que se faz as melhores coisas.

Termino a faxina,

Coloco a melhor camisola,

Meus brincos de brilhante

E o perfume de flores de varanda.

E a lagartixa,

Vira camaleão.


Junho/2008.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Saudoso Feriado.



“Ainda vivenciou o início do alvorecer geral do dia lá fora, além da janela.”

Franz Kafka – A metamorfose.


É angustiante acordar, tocar o lençol nada macio e não encontrar a pele clara que eu gostava tanto.

É feriado. Lembro agora como ela odiava feriados, falava que as pessoas só valorizavam a vida nos feriados, só por que o comércio não abria, os parques lotavam e o cinema também. Não era pra ser assim.

Faz um friozinho... Ah! Ela não apreciava o friozinho também, não suportava a idéia de “levar casaco, caso esfrie”, ou saía um sol de queimar ou neve bem branquinha. Os extremos.

Não quero sair da cama, não pelo fato de talvez ainda sentir o cheiro dela no colchão, afinal de contas, já faz um ano que ela foi embora, mas por preguiça mesmo...

Ah não, ficar nessa cama ainda mais nesse feriado, é depressivo demais.

É triste demais.

A pilha de filmes ainda está do lado da televisão. Não desarrumei desde que ela saiu daqui. Está por ordem de preferência, o primeiro sempre foi O Carteiro e o Poeta, em seguida, Laranja Mecânica. Eu falei, sempre os extremos.

Sento na escrivaninha, as folhas de redação com milhares de histórias na minha frente. Lembro como ela adorava opinar sobre as redações, com a fala meio cantada, ela dizia: "Achei muito bom, descreveu com intensidade a essência do personagem, altamente simbolista..."

Era uma troca divertida, eu tentava avaliar as pinturas dos alunos dela e ela lia com a maior vontade as criações dos meus.

Abro a gaveta, acho uma foto nossa junto com as canetas. É do Natal de 2003, o cabelo dela estava meio preso, meio solto. Impressionante como os coques não duravam nem 10 minutos graças à finura dos fios, eles eram tão lisos...meus dedos sempre escorregavam neles.

Sei lá...ainda escuto os passos dela de vez em quando. Na verdade, tenho a impressão de que ela ainda tem a chave dessa casa, mas não me avisa, para não me deixar tão triste. Tudo acabou de uma forma tão inesperada.

Ao viver a minha vida, sigo com precisão aquela frase: “A ação é inimiga do pensamento”, é de um filme, Nicole Kidman mais Anthony Hopkins, eu não lembro o nome, ela era responsável por essa parte, eu só sabia os atores.

No entanto, é impossível não pensar nela hoje.

Tenho que sair, daqui a pouco escurece e vai ficar difícil encontrá-la no meio de tanta gente.

Preciso comprar flores, ela adorava tulipas.

Vermelhas.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

É o amor.


É o prazer de sorrir pela manhã
ao preparar um café na primavera.
É a alegria de deitar na grama
e receber chuvas de flores.
É a simplicidade de sentar
no banco do ponto de ônibus
e ver crianças brincando no jardim.
É a satisfação de ler
páginas envelhecidas
e melhor,
poéticas.
É a razão de ver as horas
e depois,
parar os ponteiros.
É o arrepio da mão fria
ao tocar a cintura quente.
É a dúvida gostosa
de ligar,
ou aparecer pessoalmente,
de fazer pipoca,
ou chocolate quente.
É a proteção
e a felicidade
de sentir o coração bater forte
em um abraço sincero.
É a coragem
que rompe o comum,
num pisco de olhar.
Que sentimento bonito esse, não?
É...



o "amar".

Junho/2008.

domingo, 8 de junho de 2008

Atos e fatos.


Eu gosto
quando você prende o cabelo desse jeito...
Assim,
sua nuca pede meus lábios.
Depois de tantos olhares,
fico surpreso ao me deparar com o seu.
Não tenho carro
não tenho diploma.
Tenho uma voz rouca
e pilhas de folhas de caderno
Aliás,
elas aumentaram depois daquela noite.
Não te liguei,
você também não.
Somos dois solitários
que compartilhamos solidão
em uma fila de teatro solitária.
A arte nos dá certa coragem.
Senti o tremor do seu corpo
quando toquei em suas mãos.
A peça já saiu de cartaz
e meu telefone ainda não tocou.
Mas enquanto houver arte...
Por você,
eu sentirei amor.

Junho/2008.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Antítese.



Direita, esquerda.
Esquerda, direita.

Direita forte
Esquerda branda
Esquerda sua
Direita voa
Esquerda dá
Direita compra
Esquerda bebe
Direita come
Bares direitos
Botecos esquerdos
Aroma direito
Cheiro esquerdo
Inferno esquerdo
Céu direito
Jovem direito
Brasileira esquerda
Vidros, fechados, direitos.
Buzinhas, faróis, esquerdos.
Verde direito
Vermelho esquerdo
Curta esquerda
Longa direita
Amantes direitas
Amores esquerdos
Logística direita
Espontaneidade esquerda
Ternos direitos
Camisetas esquerdas
Whisky direito
Molotov esquerdo
Carteira direita
Assinada esquerda
Barriga direita
Mente esquerda
Relatório direito
Poesia esquerda
Direita Careca
Esquerda cabeluda
Gramas direitas
Flores esquerdas
Piscina direita
Oceano esquerdo
Desenhos direitos
Rabiscos esquerdos
Perder direitos
Salvar esquerdos
Direita MATA
Esquerda...
TAMBÉM.

domingo, 1 de junho de 2008

Onde está você?


Pego um lápis tão simples
para escrever nossas histórias.
Coloco uma música calma,
e espero você chegar.
Você chega...
e desliga o rádio,
tira o lápis da minha mão
e fecha o meu caderno.
Afasta o cabelo do meu rosto.
Sua mão é tão quente...
ou é o meu rosto que é muito frio?
É madrugada.
Sua voz ecoa pela sala:
"Vem comigo."
Meus pés obedecem.
O corredor é tão longo...
ou sou eu que ando lentamente?
O som da porta é áspero.
E a luz ilumina o meu mundo.
A cama de solteiro
é pequena demais pra mim.
e grande para nós.
A luz se apaga.
A porta está fechada.
e você...
não esta aqui.

Junho/2008

quinta-feira, 29 de maio de 2008

"Ela faz cinema"


"o prazer de provocar admiração e a satisfação orgulhosa de jamais ficar admirado".
Charles Baudelaire


Ela fazia cinema. Ele era calouro das artes cênicas. Ele usava tênis "allstar" e camisetas coloridas, ela tinha uma bolsa da Marilyn Monroe magnífica e longos cabelos pretos. Brilhantes.
Paulo(ele) não sabia nada de teatro, queria ser ator para ganhar a fama, saiu do ensino médio assim como nênem sai das fraldas. Era legal a faculdade, você podia sair da sala sem pedir permissão.
Sophia(ela) respirava cinema, era fera em produzir filmes curtos, seu quarto era uma locadora. Clássicos, romance, ação, drama. Era presidente do centro acadêmico.
Primeira semana de aula, o cartaz no mural comunicava uma convocação para o novo curta que Sophia queria produzir. Paulo foi.
Vários testes, inúmeros estudantes. Uma única pessoa para escolher o tal protagonista.
Ele entrou. Ela o olhou:
- Paulo! Nome de ator. Será que você é o próximo Paulo Autran?- Perguntou, com os lábios levemente pintados.
-Paulo Autran? Não sei quem é Paulo Autran - respondeu com inocência. Uma qualidade, era sincero, não sabia e pronto.
- Você faz artes cênicas e não sabe quem é Paulo Autran? - O tom de voz agora era de impaciência. Seus lábos pronunciaram a frase devagar, contraditoriamente.
- Sinceramente, garota, eu não sei. - Chamou-a de "garota", logo ela, que detestava esse vocativo.
- Já entendi. Você não quer fazer teatro. Você só quer ser ator. - Olhava com uma seriedade particular. Mexeu nos cabelos, estavam presos.
- E tem algum problema nisso? - Apesar de todas as pistas da parte dela, ele realmente não sabia quem ele era...já estava incomodado. Como pôde parecer tão infantil diante da "garota", aqueles cabelos diziam algo que ele queria compreender.
- Não, nenhum problema. Aliás, esse é o ponto. Não tem problema nenhum e , simultaneamente, tem problemas demais - ela respirou fundo - Eu te mando um scraap, tá? Me procura no orkut, ta como "Sophia Coppola".
Paulo ia falar mais alguma coisa, mas ao olhar a "garota" novamente, entendeu o recado.
Ia voltar a falar com ela. Aqueles cabelos pretos iam parar nos dedos dele. Ia ganhar a admiração dela como ela ganhou a dele.
Aquele nome na parede perto da mesa, podia ajudar...Ele pensou: "Jorge Furtado...Jorge Furtado...Vou procurar no Google."

O cinema é admirável, mas infelizmente (ou felizmente) não é real.

Maio/2008.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Última Canção.


Posso dizer que não vivi o prazer dos homens.
Possuí o sentimento dos deuses.
Minhas marcas são só minhas.
Não tive herdeiros.

Poucos amigos de muitos tipos.

Não estive presente em todas as idades.
Usufruí bem (ou não) das coisas

e me preocupei demais.
Devia ter levado a sério as situações exatas.

Arrependimento? Acho que nenhum. (será?)

Agradecimentos? Milhares...

Desejos? Olhares.

Sonhei demais.

Realizei de menos.

Torço para que esses versos fiquem somente no papel por muito tempo.
Quero viver ainda.
Essa é a primeira
das minhas últimas canções.


Fevereiro/2007.