Os olhos são mais sinceros. As mãos são mais livres. O aroma é mais forte. A música é mais suave. O gosto é mais doce. É a primavera, só pode ser a primavera.
domingo, 24 de abril de 2011
Laços desfeitos.
Será que eu me acostumaria a ter raízes em apenas um lugar?
Acostumada a ouvir insultos por ser egoísta começo a aceitar esse meu jeito medroso de não querer me depender de ninguém.
Passei boa parte da minha vida não tendo domingos na casa da vó
nem dia das crianças com primos.
Como eu faço para mudar essa visão limitada de que eu consigo viver só, sem um sorriso infantil por perto ou alguém para me contar histórias de minha infância?
Sinto que perdi minhas raízes a partir do momento em que resolvi voltar para minha terra natal.
Contraditório, não?
O fato é que não sei se sinto inveja ou alívio.
Eu já esqueci essa coisa de sentir saudade e aceito a morte como algo inevitável.
Não vivi o suficiente para ter o amor assim: estampado, registrado, explícito.
Talvez só quando eu ver as crianças crescerem.
Crianças essas que nem lembrarão um dia de mim.
quarta-feira, 20 de abril de 2011
Tempos de escola.
A minha escola era até um pouco parecida com essas de filme americano, mas não tinha líderes de torcida. Tinha time de futebol, mas ninguém levava muito a sério. Uma vez me chamaram para fazer parte do time de handball e eu fiquei realmente empolgada, mas minha mãe vetou qualquer possibilidade quando soube que os jogos eram no horário das aulas. Não fiquei com grandes traumas, mas hoje me pergunto porque não gosto de ver jogos de handball pela TV.
Me vetar do time de handball não me ajudou tanto assim nas notas. Nunca fui a aluna menos inteligente da sala, eu sempre conseguia passar raspando, ou ficava de recuperação por dois décimos e me passavam, mas isso só nas matéria de cálculo. Lembro-me uma vez que eu tinha faltado na aula por estar doente e recebi uma ligação de uma amiga falando que fui a única do segundo ano a tirar 10 na redação sobre “A Ilha das flores” e, pra você pode ser bem idiota isso, mas pra mim foi demais. Na semana seguinte, minha professora veio me falar que fui a única que tirei 10 na prova de literatura e me senti mais feliz ainda. Ganhei o ano com isso, aliás, mas só era “boa” nisso também, o que não me ajudava como um todo em todos os anos de colégio.
A minha escola era enorme, mas tinha uma biblioteca pequena e eu não me lembro de nenhuma vez ter visitado o laboratório. A sala da diretora era cheirosa e eu fui pra lá uma vez quando risquei a porta brincando de jogo da velha. Fizeram o maior alarde falando que eu ia pintar a porta, pagar a tinta e o escambal. A única coisa que eu pintei até hoje foi a parede do meu quarto quando eu fui morar sozinha. Aliás, eu era a maior medrosa, era só a professora levantar um pouquinho a voz que ficava dura na cadeira, mas isso não impedia de passar bilhetes do tipo “escreva uma frase com 5 palavras e continue a história”. Esse era o “SMS” da época.
A minha escola era branca e azul. Os azulejos eram bem limpos e as carteiras tinham um estofadinho. Eu nunca entendi aquele estofadinho até ir para o terceiro ano e passar quase 10 horas sentado nele resolvendo exercícios de vestibular com mais 150 pessoas.
Eu tinha 10 anos quando comecei a usar óculos, 13 quando escrevi minha primeira poesia, 14 anos quando comecei a usar aparelho, 15 anos quando comecei a gostar de Legião Urbana e 17 quando passei no vestibular pela primeira vez. Minhas roupas eram monocromáticas e meus tênis possuíam cadarços florescentes. Minha maior alegria era ir ao shopping de sexta e comer pizza aos sábados.
A minha escola era localizada num dos melhores bairros da cidade, tinha padaria nobre perto, shopping bem equipado quase na esquina e restaurantes baratos em época de vacas magras. A torta dois amores verão me fez engordar uns 6 kilos e o uniforme preto e branco me fazia emagrecer uns 3.
Eu nunca fui namoradeira, aliás, eu não tinha tanta beleza pra tanto e gostava de um menino que só queria ser meu amigo. Típico da idade. Hoje esse mesmo menino já tentou ficar comigo várias vezes mesmo nas circunstâncias erradas. Chegamos a dividir o mesmo copo de cerveja na faculdade, eu fui ouvinte de burradas que ele cometia e ele foi meu abraço de saudade de casa por muitas vezes. Aquele encanto adolescente foi embora, mas a amizade continua a mesma e ele continua sendo lindo, apesar dos kilos a mais.
Hoje me pergunto como estão os professores, a diretoria, os inspetores, a bibliotecária, o pessoal do fundão, os inteligentes, as patricinhas (que eram muitas). Todos se surpreenderiam (ou não) por saber onde estou hoje e como estou, mas prefiro que não saibam, a timidez colegial ainda não saiu completamente de mim.
Gostaria de voltar só para sentar na quadra em um dia de sol e conversar sobre as incertezas de um futuro que parecia não chegar, mas agora já chegou e passa rápido demais.
Ser professora depois de ter sido aluna durante um bom tempo me dá uma certa saudade de saber que sobrevivi e uma certa agonia por saber que o tempo não anda tão generoso comigo.
O que me salva é saber que ainda posso compartilhar certas lembranças com os amigos que ficaram e que apesar de poucos, fazem esse passado todo fazer algum sentido. Por causa dessas lembranças, resolvi não sair desse universo, só mudar de lado.
Bem ou mal, vai depender da nota da redação.
terça-feira, 12 de abril de 2011
Cadê?
Quando você pensa que já tem histórias o suficiente para contar
a memória falha com o acúmulo de tarefas controladas.
O tempo vai deixar para trás aquele verso que me fez sorrir
Virão outras melodias, outras formas de carinho
e a ideia de querer é cada vez mais forte.
Querer esquecer realmente faz esquecer.
Querer esperar não faz o tempo passar.
Então, você lê poesias antigas para ver se ainda tem um resquício de lembrança
e chora por só ver palavras sem ritmo ou história sem final.
O que aconteceu com a menina que gostava do passado?
Cansada de não entender aquelas canções bonitas
se vê presa a dormir com fones de ouvido.
Ah, você chega tão de mansinho debaixo do cobertor
ou chama pela moça de oclinhos bem baixinho
Me falaram tanto da pérola que é difícil achar
e ela me veio sem eu precisar procurar
Penduro nas orelhas, no criado-mudo, no meu coração
e se um dia eu perder de novo essa vontade bonita, a bossa-nova esquecida, a poesia novinha, a espera contínua, a alegre nostalgia...
Você acha
e me devolve.
segunda-feira, 11 de abril de 2011
Minha alegria.
Deixa eu imaginar...
Pega ali o tambor e vem aqui pra pertinho de mim.
Fala qualquer coisa no microfone e faz uma anotação no papel
ou pega aquele filme bonito e faz pipoca.
Segura bem o suporte da televisão que eu vou ajeitar o cabo da TV a cabo
ou fica aí rindo graciosamente enquanto eu me mostro desajeitada.
A gente sonha de verdade quando tá dormindo
porque as preocupações viram poeira de asfalto
e o amor paira na música do sobrado, meu amigo.
Eu sei bem o que é andar andar andar e mesmo assim ter que voltar.
Mas a gente fica bem quando o encontro vale o passeio
e chega em casa com vontade de cantar.
Resolvi escrever essas coisas bonitas
para espantar essa choradeira
e quando eu terminar de ouvir a sua música.
a tristeza vira poema.
quarta-feira, 6 de abril de 2011
Fim de soneto.
Eram 6 horas da manhã quando resolveu juntar as suas coisas mais íntimas e bonitas. O pensamento era mecânico e objetivo, pois se parasse para questionar tudo aquilo, dormiria e esperaria o dia amanhecer, trabalharia, estudaria e assim seguiria com a distração comum dos ponteiros fluorescentes.
A explicação pra tudo isso é bem óbvia. Cansada de acordar sem motivo, se viu obrigada a aproveitar o tempo de uma maneira melhor. Juntou um bom dinheiro para uma coisa que acabou não acontecendo e era hora de gastá-lo sem muitos questionamentos.
Juntou algumas roupas, blocos de anotações e elásticos de cabelos. Levou o celular também, mas sem créditos ou conta, só para ouvir música. Não desceu a escada na ponta dos pés nem deixou bilhete de despedida. Não era uma fuga, era um passeio sem uma possível volta. Apenas isso.
Fechou a porta e levou as chaves, foi até a estação de trem para pegar o ônibus.
Foi a primeira vez que saiu de casa.
Três anos depois, ela trabalhava em um bar e estava no último semestre do curso para ser enfermeira. Sua rotina era tão puxada que nos finais de semana ela dormia quase sem parar. Ela dividia o apartamento com uma menina, mas quase não se viam. Sempre guardando dinheiro, ela passava os dias falando, andando, se comportando de forma estúpida propositalmente. Engolia sapos e sentia raiva do trânsito, conversava sobre sexo como se soubesse muito do assunto e assistia à novelas comendo pipoca. Em um feriado de páscoa, guardou todos os seus livros em uma mochila e um pouco de roupa na outra. Deixou o dinheiro do aluguel adiantado e fechou a porta com força.
Foi a segunda vez que saiu de casa
Quatorze anos depois, ela já estava casada, mas sem filhos. Casou-se com um saxofonista que conhecera no bar que trabalhava e a casa deles era cheia de alegria. Seu marido pintava notas musicais nas paredes e deixava sempre um versinho de Vinícius em cima da mesa de jantar. Sua coleção de filmes se espalhava pelo chão junto com os lençóis manchados de vinho. Nunca mais soube notícias dos pais, nem pretendia ser mãe, mas era feliz pelo simples fato de ter algo para criar, esse algo abstrato, mas sentido de todas as maneiras.
Um dia olhou em sua volta e percebeu a luz do sol entrando pela fresta da janela. O sol ardeu os olhos e arrepiou a nunca. Ela percebeu como a cortina estava suja e seu porta-retrato empoeirado.
Arrumou suas malas.
Sentiria falta de muitas coisas, mas de uma especial, de seu marido dizendo: “Você me tirou a solidão.”
Foi a terceira vez que saiu de casa.
Ela segurou aquela criança com lágrimas nos olhos. Imaginou um rosto limpo e nariz arrebitadinho, cabelos negros e olhos grandes. Imaginou uniforme escolar e primeiro choro de medo do escuro. Pensou na agitação do primeiro amor e no choro infeliz da primeira nota baixa.
Depois de tudo isso, entregou-a para mãe emocionada. Saiu da sala de parto, foi até o banheiro e soltou o cabelos. Olhou-se no espelho, tirou o jaleco de ajudante e guardou no armário.
Resolveu sair do hospital e ir até o bar que o marido tocava.
Ele estava bonito, de terno sem gravata e cabelo sem corte. Tocou baladinhas românticas, pois era quarta-feira e em dia de semana ele não tocava sax, só violão. Ela sempre achou que ele tocava violão muito melhor do que tocava sax, mas ele não acreditava.
Observou de longe, cantou junto com ele, fechou os olhos no momento dos solinhos e deu um tchau tímido: “Se você soubesse o quanto você me fez feliz”. Pensou sorrindo.
Chegou em casa, tomou banho e dormiu.
“E ir conjugar o verbo no infinito”
Era a frase que ele mais escrevia, mais cantava, mais dizia perto do seu ouvido.
Sem saber que a frase que ela mais gostava era: “Que seja eterno enquanto dure.”
E assim, ela se sentia em um mundo.
Nunca em casa.
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