sábado, 19 de julho de 2008

Felicidade.



“Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incogniscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões”.

Clarice Lispector – Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres.


Era como brincar de se esconder entre os lençóis pendurados no varal. O sol já secara todos eles, mas se os tirassem dali, acabaria a brincadeira.
Ela sabia que ele estava indefeso, somente suas lembranças eram livres e nem eram tantas assim. Ele sempre foi muito egoísta, do tipo que não oferece sorvete em dia de calor, sempre reclamava de tudo, da política, da sujeira, da vida.
No entanto, ela gostava dele. Talvez pelas mãos grandes que sabiam caminhar pelo seu corpo, ou pelo cheiro de água do mar que pingava de seus cabelos, pelos beijos errados nos lugares certos, ou ainda pela segurança mútua de saber que ele se esforçava para dar o prazer que ela, carente, tanto necessitava.
Nessas horas, era a amante.
Ela se sentia bem ao perceber os olhares suplicantes dele toda vez que ela se trocava para trabalhar. Era um olhar novo a cada vez que isso acontecia, como se ela escondesse, por trás daquele jeans, um tesouro. Um olhar de menino que observa a prima mais velha. Um olhar que fala, mas quer esconder. Um olhar que quer alcançar o inalcançável.
Nessas horas, era a manequim.
Ela adorava conversar com ele, conversar não, ouvir ele falar. Era único o jeito como ele voltava da rua com um jornal e berrava a manchete para ela ouvir lá da cozinha. Adorava quando ele a convidava para ir ao teatro. Quando, do nada, ele a abraçava. Quando ele a carregava no colo ao perceber que ela adormecera no sofá. Quando ele não precisava falar nada e mesmo assim, era uma boa companhia.
Nessas horas, era a amiga.
Estava cansada de ser uma em várias. Não podia simplesmente ser a amante, a manequim e a amiga de uma vez só?
Ele chegou da rua com aquele maldito jornal e berrou com vontade a manchete para ela ouvir lá da cozinha.
Ela fez que não ouviu.
Ela vestia aquele jeans. Atravessou a sala até o quarto. Ela sabia que ele viria atrás, era tão previsível.
Ela estava tirando a blusa quando ele entrou. Desabotoou com elegância o jeans, pegou um livro que estava no criado-mudo e deitou na cama. Sua lingerie azul era infantil, mas ela não.
Ele olhou, olhou e olhou, aquele olhar pedante, que pedia o corpo dela.
E assim, ele chegou perto, pousou a mão no corpo dela e beijou errado, mas no lugar certo.
À noite, a madrugada, o dia...tudo em segundos.
Se amaram pela primeira vez, se entregaram com uma confiança absoluta.
Depois, abraçados, eles conversaram.
Cessaram dúvidas, risadas soltas, diferentes medos, mesmos gostos.
Ela era todas, e ao mesmo tempo, uma só.
Os lençóis não estavam mais no varal.

domingo, 13 de julho de 2008

Doce Lar.





Saio de cena
para ver o espetáculo.
Eu volto para a casa
e não sou personagem principal.
As estrelas do teto roxo
andam apagadas
e o chão que eu tanto pisei
agora é minha cama.
Sol.
Sinto falta do sol sem brisa
clareando os meus cabelos.
Não quero passar nas ruas sem asfalto.
São lembranças demais.
É bom voltar pra casa,
mas as histórias sobre as sereias
das Ilhas espalhadas pelo mundo
são verdadeiras.
E elas realmente
Me encantaram...


Julho/2008.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Redenção


Está escuro
e eu reconheço suas mãos.

Aperta minha cintura,

morde com loucura,
meus sussuros

não são uma oração.

A chuva que molha

está dentro de mim.

Ela não é santa,
nem abençoada.

Ela sua, somente sua.

Nua,

não abro meus braços.

Meu abraço é fechado.
Se eu soltar

o tempo te leva embora.
Não ressucito.

Pelo contrário,

vivo.

Vivo para sentir o fogo
que acende em um sopro.

Amor,

meu amor...

não é barroco.



Junho/2008