sábado, 28 de agosto de 2010

Uma flor morreu na rua.




"Amou daquela vez como se fosse a última"
Chico Buarque - Construção.

- Olha lá o corpo estendido no chão. (Homem 1)
-Parece que foi atropelamento.( Mulher )
-Ah, mas ela atravessou na faixa.( Homem 2)
- Mais ou menos, vai, tava quase na faixa. (Homem 1)
- Ela devia ta com fone de ouvido. Esses jovens são tão distraídos (Mulher )
-Vamos chegar mais perto? (Homem 2)
- Vamo Vamo. Quem sabe a gente não ajuda, né? (Homem 1)
- Ou fica sabendo de mais alguma coisa, né? (Mulher)
O trio se junta a multidão ao redor do corpo adolescente. A menina desmaiada com a mochila nas costas tinha ferimentos nos braços e na cabeça. Usava uma blusa xadrez com um bottom preso nela com os dizeres: "All you need is love". Ela ainda estava com os fones de ouvido.
O motorista do ônibus estava desesperado , aos berros: "Eu não tive culpa! o farol tava aberto, ela atravessou fora da faixa. Ela achou que eu ia parar!"
-Nossa, ela era mocinha...(Mulher)
- Você imagina o sofrimento da mãe quando souber...(Homem 1)
- Mas ela ta morta? (Homem2)
- Ah, olha a quantidade de sangue que tem no asfalto, acho que morreu sim.(Mulher )
- Ah, mas a menina é grandona, olha. Deve aguentar o tranco, ser porreta. (Homem1)
-Mas é um ônibus, mano! Um ônibus. (Homem 2)
O resgate chegou e foi aquele alarde. Mandaram todo mundo se afastar, barulho de sirene. Carros parando. A menina atrapalhou o tráfego. Tiraram a mochila com cuidado e a jogaram próximo ao trio observador "Vê se tem algum documento aí". Gritou o moço de laranja.
- Vixi! Que mochila pesada! Nossa, quanto livro, véi! (Homem2)
- Olha o caderno dela! Ué, mas só tem texto pequeno...nossa, é poesia, olha. (Mulher)
- Será que ela era famosa? Será que ela tem livro? (Homem 1)
- Vê se tem alguma coisa dentro dos livros! Pega a carteira dela! (Homem2)
- Achei uma foto dentro de um dos livros...que bonito. Deve ser o namorado! (Mulher)
- Achei a carteira dela! Ela tem convênio (Homem2)
-Ela é estudante, óh...ai, que dó, meu Deus. (Homem1)
-Tem algum telefone? (Mulher)
- Não...só foto 3X4 dela e uns 10 reais. (Homem 2)
-Acharam alguma coisa aí? Pergunta o homem de laranja.
- Ela tem convênio, pode levar para hospital particular. (Mulher)
- Não será necessário, a menina faleceu. (homem de laranja)
Silêncio triste.
- Pega o celular dela, vê se tem alguma ligação, vê se tem número dos pais (Homem 1)
- Ela ligou para um "guri". Ela era do Sul? ( Mulher mexendo no celular)
- Acho que era, porque naquela foto tinha uma data e o nome do lugar, que era lá no Sul.
Enquanto discutiam para quem avisar da morte, recolheram seus objetos pessoais e colocaram dentro de um saco plástico.
- Anota aí, hora do óbito: 17h. Objetos: Um escapulário, um crucifixo, um pingente com símbolo do infinito, um brinco em formato de pena, um anel em formato de flor, óculos...( Homem de laranja)
- Crucifixo? Era católica? (Homem de laranja 2)
- Acho que sim, mas junto com o infinito? Será que era espírita? (Mulher de laranja segurando o saco)
- Nossa, não viaja! Continua anotando aí, fone de ouvido...( Homem de laranja)
Tinha gente que chorava, gente horrorizada, gente curiosa, gente indiferente e tinha sol. Muito sol. Um sol que a menina nem sentia mais.
- É, essa aí não volta nunca mais, né? (Homem 1)
-Ih...esse aí já vai filosofar (Mulher)
- Será que tinha alguém esperando ela em casa? (Homem 1)
-Bem, agora não precisa mais esperar, né? Ela não vai mesmo... (Homem2)
- Nossa, como vc é, Só por Deus! (Mulher)
Nisso, cobriram a menina com um pano branco.
- O que será que vão escrever na lápide dela?( Homem 1 que realmente gostava de fazer perguntas filosofais)
- Ah, aquela coisa de sempre, "Filha dedicada. Viveu e Amou" (homem 2)
- Amou? Será que aquela foto era do namorado dela? (Mulher)
- Ah, era uma foto especial, sabe? A gente não coloca data em foto qualquer, só em qual a gente não quer esquecer e tinha um cara na foto...sei lá (Homem 1)
- Vai ver ela tava com pressa para encontrar alguém. (homem 2)
- Que música será que ela tava escutando? ( Homem 1)
- Circulando, pessoal. o trânsito precisa continuar, vamos! (Guarda de trânsito)
- Não sei porque as pessoas ficam tão chocadas com acidentes, milhares de pessoas morrem assim todos os dias, parente nem ficam sabendo, a mídia não fala. São todos desconhecidos. (Guarda de trânsito 2)
Naquele fim de tarde de sexta, a menina esperava chegar mais cedo em casa para se arrumar e ir para a faculdade. Ela nunca ia para a faculdade de sexta, mas excepcionalmente neste dia, ela ia. Ela atravessou correndo porque já estava atrasada para pegar o trem. Nem notou o ônibus vindo em sua direção. Estava absorta em seus pensamentos e escutando músicas lindas que um moço tinha mandado pra ela uns dias antes, ela tava ansiosa para agradecer esse moço pelas músicas, ansiosa pelas aulas, ansiosa pelo final de semana que estava chegando, ansiosa para chegar em casa e comer um bom sanduiche, ela tava ansiosa para pular ondas no ano novo, ela tava com pressa de viver.
Uma vez, a menina ouviu de uma amiga, em tom de despedida:
"Um beijo, flor do asfalto"
A partir de então, comprou um anel em formato de flor, para levar nas mãos todas elas.

Quando a menina atravessava a rua, um anjo iluminado cantava em seu ouvido:

"Deixa assim como está sereno
Pois é de Deus
Tudo aquilo que não se pode ver"

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Tudo azul.




Fiz as pazes com Deus
Não vou usar provérbios para justificar meu ato
nem agradecê-lo.
Só entendi o recado
Entender não é o mesmo que aceitar
mas eu cansei de discutir
por enquanto.
É inútil dormir quando ainda é noite
se você acorda antes do Sol.
Ele veio? Eu o vi?
Se o céu existe
ele é azul

domingo, 1 de agosto de 2010

Amanhã.





"Você não cansa de esperar?"
"Não, eu não canso...
eu preciso esperar. Faz parte do plano"
Não espero cair do céu.
Só espero o tempo passar.
Pernas cansadas.
Falta de ar.
"E depois?
Quando você alcançar?
Quando não tiver mais nada para esperar?"
Simples...
o tempo não precisa mais passar.
ele pode parar.