terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Feliz Ano Velho






"Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre."

Carlos Drummond de Andrade - Receita de Ano novo.



Os anos pares sempre foram tão bons pra mim.
Nunca me perguntei porque sempre escolhi o número 10 em jogos de mágico, em escolha de camisa, em jogo da Mega Sena.
O calendário novo foi posto em cima do criado mudo dias depois que o ano novo começou.
E as datas foram marcadas, como era de costume.
Quando vi, esquecia de riscar, marcava errado, rasurava, escrevia por cima.
Os dias ganharam autonomia sobre mim, eu já não controlava mais esse ano.
Vem, calendário novo...
mas antes
vou jogar fora a minha caneta velha.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Cigarros no paraíso.





Para o Sheep.


Se você morasse na rua de cima
eu passaria na padaria e compraria uns cigarros pra você
só pra ver seus olhinhos verdes ficarem maiores por trás dos óculos redondos.
Você me diz que eu tenho medo de saber das coisas
e eu nunca sei se me levas a sério ou não.
Mas eu gosto de ouvir você elevar a voz no final de casa frase
pelo simples prazer de pensar do seu lado.
E você me pergunta: “Eu quero saber o que é o amor?”
eu dou uma resposta simples, você finge que aceita
e depois me desenha tomando sorvete.
Eu digo hoje que eu aprendi a te amar
sem saber ainda o que isso quer dizer
e - pra sua decepção – sem querer saber o que isso quer dizer.
Você não mora na rua de cima
nem na rua de baixo
você mora dentro de mim
dentro desse coração aflito
que desenha ovelhas na parede
e chora
ao lembrar do abraço magro que faz o mundo ser tão confuso
e ao mesmo tempo
tão maravilhoso.
Me dá um cigarro
e vamos andar de mãos dados no nosso paraíso.
O cristo nos espera
de costas.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Vai passar.





As pessoas mudam após tantas conversas no carro antes de entrar em casa
Me reconhecer já não basta, é preciso me conhecer realmente e parar de fingir liberdade sem explicação.
E então você se olha no espelho e se pergunta: “Não, eu não consigo acreditar quando você me diz que eu sou bonita.”
Como se a beleza fosse medida pelo comprimento do cabelo
e eu acabei de cortar os meus.
E eu quero jogar todos os meus traumas em forma de flores no mar
para ver se eles se afogam junto com o medo de nadar
mas as ondas voltam mais fortes e não tenho força nas pernas.
Não mais.
Você vê que seu romance não tem começo, meio e fim
quando bebeu a noite passada e esqueceu de escrever.
Criar e tentar dar um pouco de emoção pra alguém
só para receber aquele orgulho que nunca achou que ia ter.
Mas as tentativas falham após bastante preparação
como uma prova fácil que deixa a sala inteira de recuperação.
O tempo é o melhor remédio, mas eu nem to doente.
Só com o colesterol um pouco alto após tanto tédio faminto
A primavera foi embora e ainda pode voltar
mas eu acabei pisando nas flores que caíram
e não tenho altura o suficiente para alcançar as que ainda são bonitas.
E nem mais visão.
O que te aflige tanto, minha menina?
Não ter mais pavor do escuro,
mas medo de dormir sozinha.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Olhai os lírios do campo.



“Por trás da cortina
além da porta errada
silencioso e só está sentado
e lê, num livro velho,
a sua própria história.”

Manuel de Castro.


Na minha casa, por trás da cortina, além da porta errada, tem um jardim muito agradável. Engraçado como no campos as horas passam devagar, sinto que é proposital, eu odiava tudo relacionado ao campo e agora estou aqui.
Hoje eu arrumava o armário quando me deparei com o meu uniforme de trabalho. Faz 24 anos que não sentia nas mãos aquele tecido bonito, resistente, verde. Resolvi lavá-lo. Enquanto estava na máquina, fui até o baú e peguei um livro velho para passar o tempo, com um silêncio perturbador e totalmente sozinho, comecei a ler.
Aquelas linhas eram recordações íntimas. Lembrei-me de como cresci rápido e forte. Eu era jovem e tinha tudo pra dar certo. Graças aos meus antepassados que -diga-se de passagem- eram poderosos, muitos tinham um certo receio de mim. Apesar de novo, era extremamente inteligente e, por isso, desde cedo fui irresponsável. Quanta imaturidade!
De repente, me vi com 20 anos novamente em meados dos anos 50. Naquela época eu já estava inserido no ramo da política, ainda tímido, só observando. Alguns parentes, em outros tempos e em outros países, já tinham o poder a que eu almejava, porém, ainda não era a minha hora...eu, paciente, esperei. Estava perto de conseguir a glória absoluta: ser presidente do Brasil.
Quando Juscelino deixou o cargo, eu já estava muito ansioso, mas, mesmo assim, Jânio me segurou. Ele não gostava de mim e pra falar a verdade eu o odiava. Essas picuinhas de jovem não respeitar os mais velhos. Ele sabia da minha força e por puro medo resolveu renunciar. Eu deveria ter agradecido o fato dele não ter falado que fui o motivo da renúncia.
Em 1964, Jango desceu do palanque, mas eu esperei um pouco para subir, ainda queria me certificar de que fizera a escolha certa.
Por 20 anos achei que sim, na minha ânsia de conquistar tudo e todos, não escutei ninguém. Tinha muitos amigos e confiei neles, muita ingenuidade da minha parte. Peguei esse lugar como algo a que me pertencia, como esse jardim que vejo na minha frente agora, só que em vez de cuidar desses lírios, simplesmente deixei que cuidassem por mim. Só dava ordens.
Dessa escolha de deixar o vento levar as coisas é que me arrependo. Estava cego e fui distribuindo o meu poder como o tio da padaria que distribui balas de troco.
Recordo-me bem quando Costa e Silva – uma das crianças que pegou as balas – morreu. Ele disse algo assim: “Deixei um presente pra você, use-o bem.”
No entanto, eu não era muito trabalhador e – como sempre – dei o presente para uma outra “criança”. O menino Emílio pegou praticamente todos os meus doces e fez esse presente render. A essa altura eu já estava um pouco cansado, mas, com aquela visão de que ainda reinava. Tinha muita gente contra mim, principalmente os jovens, que escreviam em faixas que eu tinha que sair do poder, paravam na minha janela e jogavam tomates – como se fosse adiantar alguma coisa toda essa revolta. Uma garoto fez uma música e chegou a falar nela que eu inventei o pecado! Imagina, logo eu, que sempre fui tão devoto a família e aos bons costumes...Mandei-o calar a boca e o fiz ficar na Itália até segunda ordem. Um outro homem com voz bonita disse que eu “ensinava a viver sem razão”. Na época achei uma bobagem. A educação nunca esteve tão boa. Mandei-o para um prédio no centro de São Paulo para aprender a não falar mentiras. Se pudesse, pediria desculpas hoje, mas não posso. Ainda bem.
No final de 79, eu já estava velho. Meu irmão Ernesto – que pegou bala até demais- me deixou mal na praça ao pedir tanto dinheiro para os meus desejos. Desejos esses que eu tinha por pura teimosia.
Então, uns 6 anos depois eu já não tinha pra onde ir e mandei fechar minha padaria. Resolvi sair do poder e apenas descansar, ou me arrepender. Toda vez que atravesso a porta errada e saio nesse jardim, penso em como seria se desde o começo eu tivesse entrado na “porta certa”.
Não casei, mas tive filhos de desconhecidas por aí. Coitados daqueles que tem o meu sangue. Eles não tem meu sobrenome, até porque não tive nomes, só apelidos.
Não gosto de ler esses livros, já me lembro muito dessa época quando durmo.
Acho que meu uniforme já está lavado. Vou colocá-lo para secar nesse jardim, cheio de lírios.

Natália Sanches – Junho de 2009.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Sum(v)ida.




Sumir é sempre uma boa fuga.
Te obriga a viver uma vida independente e sem sofrimento
pelo menos para os outros.
Ninguém precisa saber que você está triste e nem o que irá fazer no final de semana.
Quando você some, a solidão parece uma boa amiga
e você se sente feliz por não fazer ninguém chorar.
Imaginar como será ou como está sendo é só imaginar
porque você simplesmente não precisa comprovar nada.
Não precisa concordar
não precisa responder
Sumir é acordar a hora que quiser e não precisar ouvir “bom dia”
e mesmo assim ter um dia bom.
E você vive sem certeza alguma,
não é preciso ter certeza
porque se não der certo, tudo bem.
Quando você some, você escuta mais música
porque elas conversam mais, elas atravessam os ruídos comuns
elas falam o que você quer ouvir,
e você começa a fumar, a beber
e ninguém te repreende por isso
porque ninguém mais sabe de você e da sua vida
e o melhor,
você escolheu ser assim.
Até o dia em que numa esquina qualquer, se você estiver a pé
ou em um domingo no parque,se você tiver um violão
o motivo do seu sumiço resolve aparecer.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Deux voador.




Era pra eu ficar agitada assim?
Você disse que nem ia aparecer hoje
Ah, você trouxe aquele presente mesmo...
Bom bom, agora eu vou me sentir muito bem.
Agora eu vou ser feliz.

Eu persisto, eu persisto sim
nessa boca bonita que você tem.
Eu persisto, eu persisto sim
quem mandou ser tão lindo assim ?

Ah, eu estou com uma dorzinha de cabeça
Não Não, não é culpa sua.
Para de falar e me dá mais presente
Eu te vejo na montanha
você acena pra mim e eu aceno de volta.
“Oi, vem aqui me buscar!”

Eu persisto, eu persisto sim
nessa loucura toda de me perder.
Eu persisto, eu persisto sim
hoje eu ganho você, garoto.

Ain, eu to com vontade de dormir, mas nem quero
Por que a parede tá mais perto de mim?
Ain, droga, bati o meu joelho de novo.
Minha mãe não pode saber, não pode.
Vamos brincar?

Eu persisto, eu persisto sim.
Nesse banho de chuva que congela o osso
Eu persisto, eu persisto sim
em sair correndo livre cantando por aí.

Nossa, que claridade é essa?
Você dormiu do meu lado mesmo?
Tem café ou chocolate por aí?
Ain, tá me dando uma tremedeira estranha.
Me dá mais presente, por favor, eu to tremendo.
Eu to tremendo.

Eu persisto, eu persisto sim
o final de semana vai chegar e eu já sei onde eu vou
Mas eu estou vivendo aqui, fazendo vida aqui
Eu estou com todos os meus amigos aqui
É um pecado, Deux Ex Machina
Estar feliz?


*Inspirado na música "Pale Blue Eyes" do Velvet Underground

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Casa Nova





-Mãe, cadê o papai?
-Oh, meu amor, ele ainda está viajando.
-Mas mãe, já faz um tempão que ele viajou...
-Eu sei, minha linda, mas ele não volta mais, entende?
-Mamãe,eu quero ver o pai.
-Filha, você quer passear? A gente pode ir naquele parque que você gosta.
-O papai vai ta lá?
-Não, amor, seu pai não vai tá lá.
-Não quero ir, mamãe. Onde o pai tá?
-Filha, você quer falar com o papai? Você pode falar com o papai, só não dá pra ver ele, entendeu?
-Entendi. Eu vou ligar pra ele, mamãe?
-Ai, Meu Deus. Faz assim, olha para o céu e fala com o seu pai que ele vai ouvir.
-Mãe, quem tá no céu é o papai do céu, não o meu pai.
-Filha, ele tá junto com o papai do céu.
-Mãe, ele não vai escutar...o céu é muito longe, mamãe.
-Vai sim, filha.
-Se eu pedir pra ele voltar, ele volta, mãe?
-Minha linda, ele não volta mais, ele agora mora lá.
-Mamãe, céu não é casa, mãe.
-Filha...só acredita em mim,tá? Por favor.
A filha olha para a mãe desconfiada, suas mãos escorregam e param na corrente da mãe.
-Mãe, por que você usa o seu colar?
-Ah, filha, foi aqui que o papai do céu morreu, sabe? Ele morreu para ir para o céu e cuidar de todos nós.
-Que nem o papai? Porque você falou que ele tá do lado dele...
A mãe ficou com medo e percebeu o que fizera. Sentiu alivio e ao mesmo tempo medo por não saber como a filha reagiria.
-Mãe, então eu quero morrer também, porque eu quero ver o papai, mamãe.
-Não fala isso, filha. Você ainda tem muito o que viver, meu amor...
-O papai não tinha mais o que viver?
-Filha...
-Mãe, eu quero ver o papai, mãe. Dexa eu ver o papai, mãe.
A menina começa a chorar compulsivamente. A mãe a coloca no colo e tenta acalmá-la. Com o tempo, ela acaba adormecendo.
Seria difícil acostumar a filha a não ver o pai. Ela ia crescer e aos poucos perceber que a saudade não iria cessar, a saudade só seria esquecida.
Um dia você acorda e percebe a ausência em pequenos detalhes.
É hora do almoço e o telefone não tocou. Já escureceu e só tem um prato na mesa. A cama parece maior do que é e você espera o barulhinho da chave aparecer, mas a porta não abre.
Fazer falta. Sentir falta. Chorar pela falta que faz.
A morte dos outros te obriga a viver.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Espera.






Se o que eu quero ainda não tem nome
será que pode ter sentido?
Se tudo aquilo tem definição
e eu não sei definir
é válido para eu sentir?
Se a música só tem a letra bonita
Vale pena ouvir a melodia?
Eu também sei disfarçar força e superação
mas escondido as coisas são muito mais fáceis
e eu choro quando ninguém tá me olhando.
eu esqueci o assunto principal desse poema
e resolvi improvisar com palavras bonitas
mas você sempre falou que eu não sei escrever.
Os tempos estão mudando
a saudade diminui quando o celular toca
sem saber que celular acaba bateria
e a saudade volta de novo.
Sem saber que só a morte
faz a saudade descansar.
É por isso que eu não atravesso na faixa
e tenho anjo da guarda.
Se o que eu quero ainda não tem nome
vale a pena eu batizar?
Se a gente acorda todo dia
vale a pena sonhar?
Se é pra ser feliz
a gente tenta.
Sem saber que a vida é só uma espera
pra aquele anjo um dia
poder dormir em paz.