terça-feira, 17 de junho de 2008

Saudoso Feriado.



“Ainda vivenciou o início do alvorecer geral do dia lá fora, além da janela.”

Franz Kafka – A metamorfose.


É angustiante acordar, tocar o lençol nada macio e não encontrar a pele clara que eu gostava tanto.

É feriado. Lembro agora como ela odiava feriados, falava que as pessoas só valorizavam a vida nos feriados, só por que o comércio não abria, os parques lotavam e o cinema também. Não era pra ser assim.

Faz um friozinho... Ah! Ela não apreciava o friozinho também, não suportava a idéia de “levar casaco, caso esfrie”, ou saía um sol de queimar ou neve bem branquinha. Os extremos.

Não quero sair da cama, não pelo fato de talvez ainda sentir o cheiro dela no colchão, afinal de contas, já faz um ano que ela foi embora, mas por preguiça mesmo...

Ah não, ficar nessa cama ainda mais nesse feriado, é depressivo demais.

É triste demais.

A pilha de filmes ainda está do lado da televisão. Não desarrumei desde que ela saiu daqui. Está por ordem de preferência, o primeiro sempre foi O Carteiro e o Poeta, em seguida, Laranja Mecânica. Eu falei, sempre os extremos.

Sento na escrivaninha, as folhas de redação com milhares de histórias na minha frente. Lembro como ela adorava opinar sobre as redações, com a fala meio cantada, ela dizia: "Achei muito bom, descreveu com intensidade a essência do personagem, altamente simbolista..."

Era uma troca divertida, eu tentava avaliar as pinturas dos alunos dela e ela lia com a maior vontade as criações dos meus.

Abro a gaveta, acho uma foto nossa junto com as canetas. É do Natal de 2003, o cabelo dela estava meio preso, meio solto. Impressionante como os coques não duravam nem 10 minutos graças à finura dos fios, eles eram tão lisos...meus dedos sempre escorregavam neles.

Sei lá...ainda escuto os passos dela de vez em quando. Na verdade, tenho a impressão de que ela ainda tem a chave dessa casa, mas não me avisa, para não me deixar tão triste. Tudo acabou de uma forma tão inesperada.

Ao viver a minha vida, sigo com precisão aquela frase: “A ação é inimiga do pensamento”, é de um filme, Nicole Kidman mais Anthony Hopkins, eu não lembro o nome, ela era responsável por essa parte, eu só sabia os atores.

No entanto, é impossível não pensar nela hoje.

Tenho que sair, daqui a pouco escurece e vai ficar difícil encontrá-la no meio de tanta gente.

Preciso comprar flores, ela adorava tulipas.

Vermelhas.

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Só quero que você saiba que se eu me mantive silente até agora, é simplesmente porque não tenho nada a criticar nesse texto. Confesso que não gostei muito do outro, mas agora vc se achou na prosa; tá perfeito!
Não encara o silêncio geral como um desprezo. se tá todo mundo quieto, é pq as pessoas ainda estão pasmas!

Não deixe de nos presentear com palavras tão lindas e imagens tão bem construídas!

Sério, MATOU A PAU! (com todo o respeito ao luto da personagem... hehe)