segunda-feira, 9 de junho de 2014

Desdizer-se


Minha vida: um arrepender-se.
É a dor de saudar boas sensações 
Foi o aprender a se ajoelhar no sal 
Será o pensamento escondido no asfalto lento.
Iludo-me ao concluir
que nada é por acaso ou
que tudo tem razão.
Talvez a vida nem tenha essa prepotência
de só ser boa se vivida ou arrependida
Talvez tudo não passe
de uma grande insatisfação
que ao se tornar corriqueira,
faça-me flertar com a solidão.
Talvez a felicidade nem exista
e assim, arrependida,
eu me sinta um pouco viva
e no chão.

domingo, 27 de outubro de 2013

Ilusões da Literatura



Abrigo da pastora - Renoir




"Lívia tem esse defeito capital: é romanesca. Traz a cabeça cheia de caraminholas, fruto naturalmente da solidão em que viveu(...) e dos livros que há de ter lido. Faz pena porque é boa alma"

Ressurreição – Machado de Assis



Acostumei tanto com a minha ingenuidade que agora tento ser o oposto,
aquela que prevê tudo e não se ilude com nada.
Se antes me gabava por ser otimista e carregadora de casacos,
hoje levanto com uma coragem falsa, com a bolsa vazia de palavras.
A partir de quando perdi a esperança no tempo?
Será que foi quando eu perguntei : “Vamos? Eu preciso ir agora.”
E você, pela primeira vez disse: “Não, acho melhor não”.
E assim, preenchi meus dias com sentimentos dependentes, com viveres melancólicos.
Condenando-me por gostar de romances, desses que sublinho a frase no livro,
E depois a vivo, a despido, a penetro,
Vestindo-me cansada após devorá-la como se eu fosse as reticências
De tudo que vivi.
E depois de tantos etc, depois de tanta arte, depois de toda travessia que não para de bater nas pedras do caminho,
eu perceba que a mulher para ser de verdade
Não deve se destacar por suas virtudes,
senão vira conto de fada, princesa da Disney, menina ingênua.
De novo.
Então, suplico...
Que as minhas horas gastas em ilusões
me transformem em uma mulher sem julgamentos
Sem a certeza de que há espaço, tempo, personagem, trilha sonora.
Mas que cada verso teu,
Me lembre de sentir amor
Por alguém como eu.


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A última geração


Corro atrás do vento

Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade

Chico Buarque


Era tarde nublada e anunciavam a maior tempestade de todos os tempos.
Eu nunca esquecia meu guarda-chuva, ele sempre esteve  por perto, mas estranhei quando percebi que não o via há tempos.
Era inverno e os dias eram frios, mas não chuvosos.
Apressada, olhei ao redor e não encontrei o guarda-chuva, não quis procurar muito, só pensei: “se chover, é só me abrigar em algum lugar até a chuva passar.”. Lembro-me de ouvir alguém gritar, mas a voz da rua foi mais forte e saí sem olhar pra trás.
A chuva daquela tarde durou 5 meses, 8 dias e 2 horas.
Ela já começou muito forte, aos poucos, perdi minha identidade, meus sapatos, minha voz. Um frio invadiu meu peito e era muito difícil respirar. Os pingos caiam fortes e me cegavam.
Perdida, não sabia voltar pra casa.
Eu olhava pros lados e não via toldos, nem coberturas, as únicas pessoas que conseguiam se proteger da chuva estavam de guarda-chuva. Por incrível que pareça, eles seguravam o vento, a água, os trovões, o caos.
Eu pensava, desesperada: Por que eu não peguei o guarda-chuva? O que me fez ficar atrasada e não querer pegar o guarda-chuva? Eu estaria bem se estivesse de guarda-chuva?
Passei 5 meses, 8 dias e 2 horas longe de casa.
A tempestade continuou fraca, mas aquelas gotas de chuva ainda gelavam a minha nuca e eu não conseguia achar o caminho de volta. Consegui pensar em voltar pra casa quando os pingos fortes recomeçaram e a vontade de voltar pra casa era maior que o medo.
Encontrei a casa intacta, sem um arranhão, bonita como sempre foi.
No entanto, quando abri a porta, ela estava vazia, sem móveis, sem aroma, sem cor alguma. Só achei minha estante de livros e, na parte de cima dela, o meu guarda-chuva.
Como eu não percebi antes? Como eu não olhei para os meus livros, a parte preferida da casa, antes de sair? Ele estava ali o tempo todo, como eu não vi?
Minha raiva era tanta que não saí mais de casa, não abri mais as janelas, não quis saber de nada. O mundo se perdeu com a tempestade e, apesar de estar com o meu guarda-chuva, eu não queria enfrentar aquilo tudo de novo.
As janelas ficavam fechadas e por isso, era sempre noite. Neste tempo, vivia com os meus livros para não me sentir sozinha, porém, em certos momentos, eu olhava para o guarda-chuva e chorava copiosamente. Não me conformava com a falta de atenção daquele dia, com tudo o que veio depois...
Ainda não saí de casa, mas abro todos os dias, um pouquinho, as janelas.
Os móveis voltaram depois de um certo tempo, não durmo mais no chão e sonho tanto que perco a hora de acordar, mas sinto uma tristeza por não sentir que há motivos pra isso.
Toda vez que eu escuto um barulho de trovão, sinto um aperto, um arrepio, falta-me o ar. É como se o guarda-chuva falasse: “Vamos, ta na hora de você lembrar de mim.” E choro, por não saber o que fazer, por não conseguir esquecer.
Às vezes eu penso: O que faz eu não esquecer? Nenhuma tempestade é igual à outra. O mundo que se desfez, eu tava tentando construir de novo com o que me restou: livros, guarda-chuva e esperança. Será que a dor de perder tudo é maior do que a vontade de ter tudo aquilo novamente?
Preciso esperar o dia chegar e abrir as janelas. Preciso voltar a gostar de ouvir barulho de chuva antes de dormir.
Não há o que temer.
É só sair de casa com guarda-chuva
E enfrentar a tempestade.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O mundo e seus moinhos



Eu sempre gostei de caminhar. Quando garanti idade o suficiente para ganhar as ruas, explorei os cantos da cidade com atenção e liberdade. Colocava o tênis nos pés e os fones nos ouvidos e não tinha pressa alguma, até por que não havia um caminho certo para seguir.
No entanto, um dia, numa caminhada corriqueira, senti meus pés cansados, o que era estranho, pois não fazia muito esforço. Meu cadarço desamarrara diversas vezes e ao invés de eu amarrar, por medo de ter que parar e assim, perder algo do meio do caminho, eu deixei … até o momento em que eu pisei no meu próprio pé e cai em um abismo.
Quando levantei, estava numa floresta com árvores bem altas. O sol aparecia tímido entre folhas diferentes e chamativas. Perdi meu tênis e minha música durante a queda, mas era preciso seguir em frente.
A floresta possuía um arome forte, vegetação variada, uma água gelada que eu bebia sem sentir sede, mas que ajudava a encarar os dias com naturalidade como se eu fosse uma velha conhecida. Porém,  eu não conseguia ver o sol e comecei a realmente sentir falta disso, mas não questionava muito e assim, os dias passavam rápido.
No entanto, era de noite que tudo acentuava. A escuridão não perdoava qualquer tipo de fuga. Sem sono e sem medo, comecei a correr assim que não enxergava mais nada. Descalça, corria em um labirinto para obter caminhos, respostas, soluções. Os ensinamentos que antes só habitavam paredes agora faziam parte da minha alma: Viver é perigoso.
Para quem sempre caminhou, correr é um grande desafio, minhas fugas eram fracassadas pelo sono e pela incompreensão. Sentia dores terríveis nos pés, nas costas, no coração. O verde da mata se misturava com o sangue que me escorria e o meu suor era tudo, menos fruto de orgulho.
Até que um dia, eu resolvi parar de correr.
Parei, sentei em uma pedra perto do lago, passei a mão pela água que escorria e comecei a reparar não só nesse meu habitat, mas no sol que eu nunca mais vira nascer. Era verão e anunciavam o fim do mundo, mas a única coisa que acabava ali eram as minhas incertezas. 
Infelizmente, eu tenho esse jeito de aprender as coisas da pior maneira, mas também, depois de aprendida, a lição é permanente, pelo menos dessa vez foi. Quando cai nesse abismo, um mundo novo surgiu na minha frente, mas perdi a base de uma forma tão brusca, que agora o mundo que se abre é dentro de mim.
A dor que eu senti ao parar foi o suficiente para eu voltar a caminhar sem pressa e com objetivo. Ainda não recuperei totalmente a pele que arranquei devido a tantas pedras no caminho, mas o abismo não é mais um lugar desconhecido.
Agora eu conheço cada canto e sei muito bem onde o sol está, pois quando precisei de luz, ele apareceu perto do rio e então eu pude ver o meu reflexo naquele espelho.
Não calcei mais tênis algum, mas também não andei mais descalça, visto meu chinelinho sempre que posso. Não preciso mais correr, apesar de todos os dias sentir as folhas das árvores balançando por causa da mania de fazer desse abismo uma pista amadora de corrida. Prefiro andar devagar e reparar no caminho. Tenho tempo pra isso.
Agora, só caminho descalça quando estou perto do mar.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Transição



Escher - Entropia
Quando as músicas já são esquecidas

e o silêncio da dúvida recai sobre o coração

não adianta traduzir as palavras de uma alma

que, perdida, resolve se entregar sem razão.

É um costume engraçado esse

De se acostumar, de não falar, de esconder.

Eu podia ter medo de muita coisa,

Mas não sou medrosa a ponto de enganar.

Mesmo se sofrer.

É possível, após tanto sofrimento, confiar nesse futuro?

Perguntava-me antes do beijo noturno existente nos meus sonhos.

Cadê minha casa bonita? Minha família reunida? O meu amor?

Este futuro nunca deixou de ser baseado no passado

Cheio de tempos inversos e palavras não ditas.

Oposto do que eu era. Amando o que não sou.

É hora da transição.

É preciso voltar pra casa antes de dizer não.

Depois de pedir a explicação de suas palavras

não posso me considerar mais um espelho para você.

E assim, me entristeço

Por ver um amor tão bonito acabado

Ou ver que nesse tempo todo

Só pensei ter amado.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Não é o infinito.



Afirmar o fim da escrita para quem escreve
é como negar a incompletude da vida.
Voltar a expor meus sentimentos aqui
é perceber como senti falta de mim.
Tempos inconstantes te dão bagagem,
mas só o que fica registrado é verdadeiro
por isso não te apago com o toque dos dedos.
Meu caos toma forma, meu coração se fecha
e o passado assombra como lua cheia.
Ninguém consegue dormir sem
saudade, dúvida ou cansaço.
E eu, sozinha no meu quarto,
procuro algum retrato
que você não me deu.
Não. Nada.
Mas hoje eu acordei em paz
aquela que aparece no espaço entre o silêncio e a resposta,
pois o vento anunciou minhas convicções finitas
e me lembrou de uma época de travessia.
Enveredar-se pela vida deve ser isso
Sou eu
És tu
e, do outro lado,
Seremos nós.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Vou parar de escrever.



          Uma vez eu aprendi que quem escreve é porque está cheio de ausências, até quem escreve coisas belas. Não acreditei, pois foi uma coisa acadêmica, anotei no caderno como uma maneira de colocar em prática quando analisasse aquele verso mal colocado ou a vida de algum gênio infeliz. 
         Porém, depois de passar muito tempo sem escrever, eu pude perceber a minha vida sem ausências. Se escrevo agora é porque não posso caminhar, é noite, está frio e quem eu quero está ocupado. Me contento com algum telefonema e com a raiva mediante a incapacidade de me mover. 
        Já pensei em fazer disso um ofício, viver para tentar exprimir o que eu sentia através de palavras bem colocadas, mas desisti quando notei que elas eram idênticas e cansativas. Escrevia para poder falar o que não tinha coragem ou eternizar esses sentimentos escapáveis e sofríveis no final de cada feriado. Agora, posso ainda não falar tudo o que desejo, mas faço o que posso. 
       Ainda não tenho o que eu quero, é verdade e essa ausência não será preenchida tão facilmente porque não depende de mim, depende de um tempo e de um esforço de alguém que não quer tirar férias... mas não escrevo sobre isso, converso e deixo o diálogo sincero tomar conta de uma angústia disfarçada de rimas sem ritmo. 
      Noites preenchidas com calor de verdade, mãos entrelaçadas fortemente, mesmo sonolentas, medos e apertos que se colocados em um papel, formariam literatura nobre. Dias cheios de fumaça misturada com sol, pressa escorregadia, pulseiras trocadas como as palavras mínimas de dois amigos na lanchonete. Há tempo para olhar rápido, mas quem vê rápido não repara e assim, muitos amores vão embora entre falta de atenção e assentos preferenciais. Ausência? Nenhuma. Não se escreve mais sobre isso ou se escreve até demais e essa ausência é esquecida com o final de semana. Descansar é preciso, dormir não é preciso, escrever menos ainda. 
     Não escreverei mais com frequência, como uma necessidade absurda de demonstrar algo que eu tento saber o que é e que mesmo depois do texto completo, não há metade da vontade nas entrelinhas, mas não vou porque me entreguei a esse mundo cruel que suga os sentimentos e faz você se transformar em um robô, ou um gado, ou um alienado e tudo mais. Não é pura felicidade exacerbada ou simples falta do que falar.        
     Ainda questiono, ainda sinto, ainda choro, ainda vivo.
     Vou parar de escrever porque aprendi, sem a parte acadêmica, que minhas ausências desapareceram como as minhas lembranças e só voltarei a escrever quando eu achar que vale a pena ou quando eu achar que tudo não passa de um grande sonho.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

As nossas vidas.




Será que a vida é isso mesmo?
Nos encontramos no trabalho
e conversamos sobre nossos amores
seu choro aparece fraquinho como quem diz
“é, ainda dói um pouquinho”
e eu te olho e sinto
“você precisa disso”.
Uma pausa na semana agitada entre choros, trânsito e cansaço.

Ninguém explica amizade verdadeira em pouco tempo
São almas que internalizam os mesmos desejos
A mão que abraça é a que te levanta
e assim, o tempo envelhece nossos sentidos.

Temos a música a nosso favor
o fôlego cotidiano no ar precoce
a imaginação na vontade acumulada
e a possível responsabilidade retorcida
No fim,
temos só a história
ou a saudade vivida

O que falta no outro infernal
sobra quando os olhos deixam de ser dedos
e o passar das horas deixa de ser obrigação

Afinal de contas,
a vida da gente é simbolizada
pela sala de café escura no meio de janeiro
a mesma sala que nos uniu como protagonistas
de um caminho cheio de verdades, emoções
e amor.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O meu canto daqui





Me desfaço entre teclas e passos a caminho de uma distração qualquer
A cidade está em festa e as ruas andam coloridas e barulhentas
Todo o sol guardado para abençoar uma terra cinza
todas as pernas expostas para deixar a paisagem bonita.
Absorta, deixo-me correr entre os carros
na tentativa de me fazer notar.
Mas nada me impede de chegar.
As pessoas reclamam da luz ainda acesa,
os quatrocentões relembram a época em que “a música era boa”
e eu choro por saber que uma hora o filme vai terminar.
Ou melhor,
que a segunda voz não canta alto o suficiente pra te acompanhar.
Me transporto para um tempo em que o sofrido fazia samba
e os bondes cansavam de tanto “trabalhar”
Um casal em preto e branco
um piano e um sorriso
e eu me perguntando:
“foi lá? É ainda lá?”
Minha parceria é com a calçada larga
compomos a sinfonia da razão
a música do sentido.
Sempre em frente.
Mesmo com a manifestação te chamando
indignada
indefesa
mas presente.
Penso que a calçada é cama
assim como teu chão já foi a nossa.
Recebo a primeira gota dos céus
no meu olhar de vidro
E deixo minha dor ser lavada,
mas ela não fica limpa.
Isenta de sensações
me despeço com um olhar agradecido
e com mãos cansadas
por eu mesma me abraçar.
Nunca vi um sabiá em São Paulo
mas ela é o meu lugar.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Um par.




Você me disse que, apesar de tudo, não me convenceu.
É verdade, ninguém ali queria provar nada,
era pura vontade de querer estampada em noite de quase véspera de Natal
na rua silenciosa,
como costumava ser.
Hoje ainda não estou convencida de nada,
você mesmo diz que repugna esses atos de convencimento,
a pessoa deve perceber sozinha o que seguir ou não seguir.
Eu sei que, depois de ter vivido e entendido,
tive a liberdade de escolher
e a sorte de você ainda me escolher.
E escolhemos nos amar mais uma vez,
em dia de quase véspera de Natal
ao som de chuva forte.
Escolhemos respirar fundo
com minha cabeça encostada no seu ombro
e você cantando músicas adolescentes.
Eu escolhi saber mais do seu passado escondido
e você escolheu uma maneira de dizer parte dele.
Juntos, eu posso dizer que formamos um par,
como letra e melodia,
sorvete de casquinha e tarde na Paulista,
Chico e Tom...
sofá e séries antigas
liquidificador e achocolatado
Vênus e Marte
tempo e amor.