sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Flâneur às avessas.





"Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão"

Chico Buarque - As vitrines.

Coloquei uma música no pensamento e resolvi sair de casa só para observar.
Não era nem noite nem dia e apesar de estar na cidade caos do lado de cá da América dos sonhos, minha melodia não sofreu alteração alguma durante o percurso.
Descer ladeira, subir ladeira, virar a esquerda, pedir um açaí bem gelado, usar havaianas e fingir que eu estou na praia.
O começo baixo desse asfalto antigo me deixava curiosa. Talvez era a primeira vez que eu tinha coragem de aparecer por aqui depois de tanta resistência. Bem, quando se resolve mudar, é preciso começar pelo maior desafio. Prova bem simples e boba, eu iria pegar o trem de qualquer forma antes da meia noite e chegaria em casa sã e salva para ainda me empanturrar de bolacha Bono e ver Jornal da Globo como se tudo fosse novidade.
Eu sou uma menina, apesar de não aparentar. Cortei meus longos cabelos castanhos em busca de ar fresco na minha futura poesia e estava com a minha pior calça jeans. Pensamento bem idiota esse: “Não vou me arrumar para ir até o centro, vou só andar mesmo, tomar meu açaí e ir embora”. Se o amor da minha vida me encontrasse, gostaria de mim com a minha pior calça jeans. Tá, nessa parte eu fui irônica. Porque se você encontrar o amor da sua vida, acredite que mesmo assim, ele olhará pra sua calça jeans, mas não necessariamente para reparar se ela é velha ou não.
Levantei e não andei aquela rua a 120 por hora, como muitos. Aliás, eu estava no número 120 quando resolvi voltar pra casa. Já tinha escurecido e minha miopia afetada não me deixou escolha a não ser ir em busca de luz.
Prevalecia a rosa, azul e vermelha em forma de palavras com plural no aumentativo. Os prédios também eram coloridos. Fiquei me perguntando, se as pessoas tivessem a visão em preto e branco, o efeito seria o mesmo? Pra que tantas cores se o que eles fazem aí dentro a maioria das vezes é com o olho fechado?
Não quis entrar em nenhuma casa bonita, apesar de muitos homens puxarem o meu braço e me elogiarem com adjetivos comuns. Engraçado, as mulheres reclamam da falta de criatividade dos elogios masculinos, mas nenhuma delas ficaria feliz se recebesse um “vem cá, mulher meiga”. O legal é ouvir o habitual “Sua maravilhosa, vem me fazer feliz”.Brega eu sei, mas aumenta o ego, não adianta negar. Pelo menos na hora.
A mistura universal dessa capital chega a ser clichê de tanta evidência. Mulheres vestidas de oncinha (com rabo e tudo), mandam beijos para engravatados com a mesma normalidade que o casal adolescente atravessa a rua.
Eu não escutava ruídos e eu não parava de andar. O objetivo não era nem dar uma de psicopata e avaliar um por um para tentar adivinhar a história por trás das plumas ou das moscas. Simplesmente andar e pensar na hora “Que homem bonito”, “Nossa, repara naquele quarto com luz verde-limão”, “Quanto será que ela cobra”, “Porque dormir aqui se mais pra frente, você pode arranjar um cantinho bem melhor numa avenida bem maior?”.
Quando cheguei quase na ponta final da rua, estava um dos meus lugares preferidos. Seria o preferido se eu tivesse dinheiro, mas como eu peguei um ônibus, acabou não sobrando nada. Olhar aqueles títulos e lembrar dos nomes deles era um sacrifício pra mim que nunca me lembro do essencial, só dos detalhes. Era capaz de eu lembrar exatamente da capa, da espessura da caixinha, do nome do vendedor, mas isso não adianta nada no Google e eu ficaria sem obter informação alguma sobre aquilo.
Era quase dez horas quando cheguei naqueles semáforos piscantes e bonitos da rua mais querida da cidade (na minha visão). Resolvi pegar o metrô e passar uma fominha a mais só para comer aquela tal tapioca dos tempos em que eu era frequentadora assídua da linha vermelha.
Cheguei em casa, levei bronca por não dar notícias, tomei banho quente cantarolando algo como “nessa espera o mundo gira em linhas tortas”. Entrei na internet com a esperança de lembrar do nome do filme, mas não adiantou, como sempre.
Era terça-feira e eu trabalharia bem cedo no dia seguinte.
E aí, você me pergunta: “Por que você faz isso? Coloca um fone de ouvido e fica andando por aí, olhando pras pessoas, gasta um dinheiro à toa e depois volta pra casa e dorme?”
E eu respondo: “Ninguém nunca perguntou para um 'flaneur' o por que ele fazia aquilo. Não estou me comparando a um, longe de mim, até porque eu nem entendi aquele texto de Literários direito, mas de que adianta eu te responder? Eu poderia falar uma coisa bem filosófica e aí ficaríamos aí discutindo horas e horas e eu te mataria no dia seguinte por estar morrendo de sono. Eu poderia falar que fiz porque quis e você ficaria satisfeito. Eu poderia falar que não gosto de ficar na minha casa.”
Não falarei nada disso...faço porque a vida é muito maior do que o meu quarto e muito menor do que a minha solidão.
É o que eu sinto.
Só isso.