segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Os meus 20 anos.


Ler Clarice Lispector um dia antes de completar 20 anos não é bom. Por ela ser a rainha da epifania e minha ídola maior, sou capaz de arrumar as minhas coisas e andar até fundir meu cérebro de tantos pensamentos contraditórios. Eu levo em consideração cada frase forte e desconcertante dela e garanto que hoje não é um dia bom para isso.
Ao mesmo tempo, esquecer que existem seres lá fora e mergulhar nesse mundinho “eu e o livro, o livro e eu” me faz entender o motivo pelo qual eu sou assim aos 20 anos.
Não me imaginava nem aqui e nem assim com essa idade. Não com essa ruga nova nos meus olhos que já são bem míopes.
O fato é que meus 19 anos serão lembrados como os “anos nostálgicos”. Um período em que eu mais lembrei do que vivi. No entanto, eles me prepararam para encarar os 20.
Clarice não ficaria feliz comigo...justamente pq eu vou aceitar a nova idade sem aquela paixão juvenil que esse número proporciona para muita gente.
Se pudesse, me desdobraria em 4 pedaços para comemorar mais esse ano. Com o primeiro pedaço eu atravessaria uma ponte e me jogaria no mar como uma criança. Com o segundo, eu vestiria um uniforme preto e branco e comeria tortas de verão. Com o terceiro, provavelmente escutaria música na calçada mais larga da cidade...e com o quarto, eu me trancaria no armário com os meus desejos.
Como eu sou só um pedaço de 20 anos, eu simplesmente aceito a graça de poder ler minha Clarice.
E para mim, isso já é muito.

sábado, 10 de outubro de 2009

Antologia primaveril



Ela chegou medrosa e sonhadora na capital. Pensou confusa: “Liberdade? Necessidade absurda e prazerosa de ser livre, de andar, de correr, de amar nessa paulicéia louca.” Pensou em tudo isso e andou até qualquer lugar.

Acordada, ela espera no ponto de ônibus, percebe certas peculiaridades enquanto a água cai discreta, nasce um girassol quando a paz se instaura.

Depois de um tempo, queria voltar para casa. Cadê o sol? Sentia falta do sol sem brisa.

É madrugada.

De repente, ela vê os sete mares em forma de sorriso. Ela acreditava em milagres e sabia que o poeta não tem paciência
A mão dela ainda segurava a dele. “Me tira para dançar”, ela disse num sussurro quase inaudível.

E os dois dançavam sem intenção alguma, sabiam que raramente iam sentir essa dança outra vez.
Gostavam de se olhar, para ela, ele parecia um conto inacabado e inteligente, para ele, ela era como se fosse uma canção, a primeira de todas as canções. Os dois não se encontraram na hora exata e assim, tudo tinha mais sentido.

Quando percebeu, a nuca dela pedia os lábios dele e os lençóis não estavam mais no varal. A pureza é alta, mas mesmo assim, os dois machucaram a razão. Ela não usava vestido, colocara a melhor camisola. É a coragem.

Com um abraço fechado, foram amantes direitos e viveram amores esquerdos.

A alvorada nasceu e só restaram as tulipas.


Brilhantes.

sábado, 22 de agosto de 2009

Pra Sempre.



Sinos, sinais.
Listras horizontais
Paralelamente iluminadas
Refletidas
Em um cetim que nunca foi sujo
Nem lavado.
Dizer, dizer, dizer.
Que necessidade absurda e prazerosa
De ouvir confissões não pensadas.
Pois escuto, prefiro assim.
Te escuto no claro,
Sem abraço, sem risco, com sono.
Não me entrego, nem me apaixono
Me descubro na paz que sempre procurei
Já tenho companhia, meu mar.
Voltei, falei que ia voltar
Para terminar aquilo que comecei.
Agora, prometa, me esfria
Me tira a ansiedade de começar
Arranca o poder divino se eu não tenho a competência para criar
Banha-me. Purificação. Me ama. Sou sua.
Mas não me peça para ser a única.
Ser outra com sonhos pesados
Corpo relaxado
Em alto mar
Te traz de volta pra mim.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Condenação?


Até que ponto você é responsável por si mesmo?
O primeiro beijo, a primeira conta no banco, a primeira bicicleta.
A partir de que momento você se torna responsável por alguém?
O primeiro porre, a primeira noite, o primeiro filho.
Pega o carro e espera aquilo que não tem nome.
Liberdade?
pra mim é desculpa,
pra falta de responsabilidade.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Mil noites em uma




Você percebe que cresceu
quando não usa os dedos
só as unhas.
Escutar já não é importante
seus conselhos
eu aceito no grito.
Liga o chuveiro
a cascata que cai
molha além dos cabelos.
Se antes eu ficava com frio
hoje quero arder em febre.
Apaga a luz
eu não tenho mais medo
sei que a sombra na parede
quer realmente me pegar.
Não uso vestidos
desejo a mão que arranca a camisola
Meu castelo encantado
tem quatro paredes.

sábado, 1 de agosto de 2009

Meios.


Aeroporto.

Uns chegam, outros buscam.

O importante é voar.

E mesmo em noite de sábado.

Nasce um girassol.

Ônibus

Uns em pé, outros com pressa.

O importante é chegar

(e balançar)

E mesmo em dia de chuva

a gente esquece de se molhar.

Metrô

Uns correm, outros se encaixam.

e não só as sete da noite

o abraço é sempre apertado.

TremUmas estações são antigas

outras, já se venderam.

e mesmo assim,

perdemos a noção do tempo.

Carro

Uns quebram, outros esperam.

Eu espero andar, sem compromisso.

só se vc quiser me acompanhar.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

É pouco


Aquilo que não tem nome
você luta, você pensa que está certa
mas não é forte o suficiente
nem convincente demais.
O ruim não é só pensar no passado
é ver que você se sentia mais leve
mesmo sem decorar frases bonitas ou provérbios antigos.
Eu queria voltar para casa
só para saber quem mudou
e agradecer às coisas que nunca mudam.
É, não tem nome.
A casa não é minha
o dinheiro não é meu
meu caminho é diferente.
e mesmo assim,
eu sei quem eu sou.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Virtude?



A voz já não chama.
o fogo simplesmente silencia.
...
Não sei o que fazer.
Aprendi a escrever sobre um assunto
e agora, perdi meu lápis.
Os poetas não tem paciência
e eu vejo os ponteiros parados.
Sabe o que é pior?
Eu quero ser poeta.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Inspiração.




Quando nasce a alvorada
vou até o jardim mais próximo.
Corto minhas raízes
e me banho com flores.
Quando penso nas horas que seguem
te imagino ansioso, bonito.
A me esperar.
O trem chega e simplesmente me leva.
Não apareço na hora exata
entro sem tu saberes.
Assim, tudo faz mais sentido
E às 15 para a cor de rosa
somos um só jardim.
"A paz se instaura".

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Movimento.






Era saturno

uma imensa pista de dança?

Com o neon natural e uma sonoridade interiorana

Eu dançava...
a lua nos conduzia.

Inquestionável

o frio que nos cercava

o vinho que não esquentava

a liberdade

que eu sentia.

Entre nossos pés

pura poesia molhada.

Eu via de braços abertos

o PRESENTE que a cada segundo

já virava passado.

Encare meu semblante colorido

e eu recebo seus lábios tintos.

Me tire para dançar

nessas noites tão...

saturnas.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Mais que nada.


Cantar músicas com maquiagem preta.
Enxergo borrões e o vento seca meus cílios.
Uso meus pés sozinha.
Você me parece tão inteligente
palavras que eu entendo
escritas em um livro que eu queimei.
Não fale...
Esses signos arrependidos
não existiam na extensão da estrada.
Não olhe...
Use suas mãos ternas
e descubra pelo meu sorriso
a minha paixão pelas cores.
Não pense...
esses julgamentos injustos
não floresciam perante a saudade.
Próximos,
beijo é som da voz
e eu preciso tirar a maquiagem.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Primeira vez



Quando você me tocou

com novas mãos

Eu sabia que raramente ia te sentir outra vez.

Você é o que eu tenho de mais vivo

e ao mesmo tempo

só existe naquela época.

É diferente agora

e eu posso me arrepender

Mas eu faria tudo para voltar

e sentir suas mãos novas

presas em mim.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Silenciosa Sinfonia



“Quando guardou o violino na caixa e se afastou pelas ruas mortas sem olhar para trás já não achava que ia embora na manhã seguinte, e sim que tinha ido embora há muitos anos com a disposição inabalável de não voltar nunca mais”.

O amor nos tempos do cólera – Gabriel Garcia Márquez


Calor. Muito calor. O sol estava tão quente que os cabelos negros se azularam quando os ponteiros se juntaram no número 12.
Toda vez que a via estava sol. Era como se aquele fogo que vinha dos céus manifestasse o sentimento daquele pobre rapaz apaixonado.
Era um amor inventado, nunca pensou em perguntar o nome da garota ou saber de seus interesses. Só poderia olhá-la, como uma obra de arte recém descoberta.
Por usar somente o olhar, ele aguçou esse sentido, reparou nas mechas que nunca estavam presas com o coque e nas unhas mal cuidadas; percebeu também que seus seios eram grandes, e concluiu que não se tratava de nenhuma mocinha.
Ele trabalhava como ajudante na feira da cidade. Empacotava os repolhos com uma rapidez invejável — seu tato também foi obrigado a ser treinado.
Um dia ela resolveu comprar repolhos.
“E agora?” Pensou o rapaz. “Ela não pode me ver. Se ver, é bem capaz que fale comigo... Ela não vai me entender”.
A torcida foi em vão, a mulher foi até a barraca e comprou repolhos.
Seus olhares se cruzaram uma ou duas vezes, o menino fingiu estar ocupado, mas não pode deixar de reparar no sorriso. Parecia uma onda que, ao chegar nos olhos do garoto, se desmanchava.
Após aquele dia, o garoto passou a segui-la. Sentia-se um criminoso assim; ele não tinha o direito de invadir a vida da garota, descobrir onde morava, essas coisas. Sabia que se fosse uma vez à casa dela, iria sempre. Começou assim na feira: antes era um consumidor de maçãs, bananas, repolhos; ao perceber que ela ia diariamente, resolveu arrumar um emprego para vê-la todos os dias.
Ela morava num sobrado azul, perto da feira, numa rua tranqüila durante o dia, quem dirá à noite. Um bairro nobre com pinheirinhos na frente de cada residência. Como já estava no fim da tarde, os raios cor-de-rosa faziam seus cabelos brilharem ainda mais. Sua casa estava agitada, tinha três carros na garagem. Ela entrou na casa, e arrebatada por uma maré de surpresa, seu sorriso litorâneo se alargou e seus olhos ficaram pequeninos. Recebeu o abraço de um homem alto e com mãos velhas, vestido todo de branco. O menino se sentiu um intruso e achou melhor não olhar a festa da família, até porque percebeu que era uma comemoração. Foi embora com as mãos para trás. Não tinha nada para festejar.
Na manhã seguinte, ela apareceu na feira novamente, mas dessa vez algo estava incomum em seu corpo. Ele sempre reparava nela inteirinha quando colocava os pés na feira. Levava os sete mares no sorriso. O garoto estava com medo de tanta felicidade e resolveu usar a pouca coragem que restava; ao olhar a mão direita da moça reparou a aliança dourada, dessas que ele só via quando fazia entregas nos restaurantes chiques da cidade.
Fazia sol naquela manhã, como em todas as outras, mas pela primeira vez o garoto sentiu um frio estranho e até sua visão que nunca o deixou na mão falhou, pois o mar que saía de seus olhos era violento. Era duro aceitar que esse dia chegaria, a menina não sabia da existência daquele sentimento, era livre para escolher o partido que quisesse, ele era apenas o menino de cabelos muito negros que vivia calado, empacotando os repolhos. Um Odisseu covarde que não teve coragem de romper as cordas da garganta para acompanhar sua sereia.
Voltou para casa já sem esperanças, poderia escrever para ela, mas ela não acreditaria, poderia ir até a casa dela fingir uma entrega e tentar demonstrar que ela não era apenas uma cliente, mas esta também não era uma boa idéia. Sentou no chão da sala humilde e olhou a coleção velha de discos da mãe, lembrou de quando ele ainda era um garoto e podia escutá-los até tarde. Pegou um dos discos e olhou com um quê de descoberta.
Pegou o violino já um pouco velho na estante e seguiu para a rua da moça.
Estava uma noite calma, sentiu o silêncio e o olhar da Lua, grande e pensativo. Ela era cúmplice de que tudo o que ele estava fazendo, era somente por amor. Sabia que ao tocar aquele instrumento, todas as lembranças de um passado feliz e que não volta iam torturá-lo. A Lua o ajudou a passar por cima do que foi para conquistar o que poderia vir.
Encostou o violino no pescoço e começou a tocar. Estava escondido, não queria que ela o visse!
Ele sabia que a música ecoava pelo asfalto, sentia a vibração de cada nota apaixonada, olhava para a sacada com a certeza de que ela apareceria para ouvir aquela música que ele tocava para ela, só para ela.
Ela saiu na sacada, radiante; usava uma tiara azul, da cor do mar! Era como se ela adivinhasse que ele estava ali, era a última chance de ele dizer através da música o quanto a amava...
A música foi interrompida por um ronco de motor que se encostava ao portão.
Ele viu no olhar da moça a animação, mas mesmo assim não parou de tocar.
Olhou seus lábios falarem algo como “Linda a música, não? Não sei de onde vem...” e o homem que a pegara nos braços respondeu: “Se você quiser, um dia toco para você”.
O menino não queria, mas não sentiu mais força nos braços e parou de tocar. A única forma de ele demonstrar o que se passava no seu coração com uma melodia impecável, o jeito mais bonito de falar que tudo o que ele sentia era verdadeiro e que só não disse antes por que era fisicamente impossível, foi interrompido por um ruído asqueroso e insensível.
Ele sabia que ela casaria com um homem bom, que sempre estaria ali com as palavras certas para confortá-la se fosse preciso.
Foi infantil da sua parte pensar que ela não o amaria, mas mesmo assim não arriscou, preferiu não falar de outras formas.
No dia seguinte não teve feira.
Estava chovendo.