quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O mundo e seus moinhos



Eu sempre gostei de caminhar. Quando garanti idade o suficiente para ganhar as ruas, explorei os cantos da cidade com atenção e liberdade. Colocava o tênis nos pés e os fones nos ouvidos e não tinha pressa alguma, até por que não havia um caminho certo para seguir.
No entanto, um dia, numa caminhada corriqueira, senti meus pés cansados, o que era estranho, pois não fazia muito esforço. Meu cadarço desamarrara diversas vezes e ao invés de eu amarrar, por medo de ter que parar e assim, perder algo do meio do caminho, eu deixei … até o momento em que eu pisei no meu próprio pé e cai em um abismo.
Quando levantei, estava numa floresta com árvores bem altas. O sol aparecia tímido entre folhas diferentes e chamativas. Perdi meu tênis e minha música durante a queda, mas era preciso seguir em frente.
A floresta possuía um arome forte, vegetação variada, uma água gelada que eu bebia sem sentir sede, mas que ajudava a encarar os dias com naturalidade como se eu fosse uma velha conhecida. Porém,  eu não conseguia ver o sol e comecei a realmente sentir falta disso, mas não questionava muito e assim, os dias passavam rápido.
No entanto, era de noite que tudo acentuava. A escuridão não perdoava qualquer tipo de fuga. Sem sono e sem medo, comecei a correr assim que não enxergava mais nada. Descalça, corria em um labirinto para obter caminhos, respostas, soluções. Os ensinamentos que antes só habitavam paredes agora faziam parte da minha alma: Viver é perigoso.
Para quem sempre caminhou, correr é um grande desafio, minhas fugas eram fracassadas pelo sono e pela incompreensão. Sentia dores terríveis nos pés, nas costas, no coração. O verde da mata se misturava com o sangue que me escorria e o meu suor era tudo, menos fruto de orgulho.
Até que um dia, eu resolvi parar de correr.
Parei, sentei em uma pedra perto do lago, passei a mão pela água que escorria e comecei a reparar não só nesse meu habitat, mas no sol que eu nunca mais vira nascer. Era verão e anunciavam o fim do mundo, mas a única coisa que acabava ali eram as minhas incertezas. 
Infelizmente, eu tenho esse jeito de aprender as coisas da pior maneira, mas também, depois de aprendida, a lição é permanente, pelo menos dessa vez foi. Quando cai nesse abismo, um mundo novo surgiu na minha frente, mas perdi a base de uma forma tão brusca, que agora o mundo que se abre é dentro de mim.
A dor que eu senti ao parar foi o suficiente para eu voltar a caminhar sem pressa e com objetivo. Ainda não recuperei totalmente a pele que arranquei devido a tantas pedras no caminho, mas o abismo não é mais um lugar desconhecido.
Agora eu conheço cada canto e sei muito bem onde o sol está, pois quando precisei de luz, ele apareceu perto do rio e então eu pude ver o meu reflexo naquele espelho.
Não calcei mais tênis algum, mas também não andei mais descalça, visto meu chinelinho sempre que posso. Não preciso mais correr, apesar de todos os dias sentir as folhas das árvores balançando por causa da mania de fazer desse abismo uma pista amadora de corrida. Prefiro andar devagar e reparar no caminho. Tenho tempo pra isso.
Agora, só caminho descalça quando estou perto do mar.

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