Eu sempre
gostei de caminhar. Quando garanti idade o suficiente para ganhar as ruas,
explorei os cantos da cidade com atenção e liberdade. Colocava o tênis nos pés
e os fones nos ouvidos e não tinha pressa alguma, até por que não havia um
caminho certo para seguir.
No entanto, um
dia, numa caminhada corriqueira, senti meus pés cansados, o que era estranho, pois
não fazia muito esforço. Meu cadarço desamarrara diversas vezes e ao invés de
eu amarrar, por medo de ter que parar e assim, perder algo do meio do caminho,
eu deixei … até o momento em que eu pisei no meu próprio pé e cai em um abismo.
Quando
levantei, estava numa floresta com árvores bem altas. O sol aparecia tímido
entre folhas diferentes e chamativas. Perdi meu tênis e minha música durante a
queda, mas era preciso seguir em frente.
A floresta
possuía um arome forte, vegetação variada, uma água gelada que eu bebia sem
sentir sede, mas que ajudava a encarar os dias com naturalidade como se eu
fosse uma velha conhecida. Porém, eu não
conseguia ver o sol e comecei a realmente sentir falta disso, mas não
questionava muito e assim, os dias passavam rápido.
No entanto,
era de noite que tudo acentuava. A escuridão não perdoava qualquer tipo de
fuga. Sem sono e sem medo, comecei a correr assim que não enxergava mais nada.
Descalça, corria em um labirinto para obter caminhos, respostas, soluções. Os
ensinamentos que antes só habitavam paredes agora faziam parte da minha alma:
Viver é perigoso.
Para quem
sempre caminhou, correr é um grande desafio, minhas fugas eram fracassadas pelo
sono e pela incompreensão. Sentia dores terríveis nos pés, nas costas, no
coração. O verde da mata se misturava com o sangue que me escorria e o meu suor
era tudo, menos fruto de orgulho.
Até que um
dia, eu resolvi parar de correr.
Parei, sentei
em uma pedra perto do lago, passei a mão pela água que escorria e comecei a
reparar não só nesse meu habitat, mas no sol que eu nunca mais vira nascer. Era
verão e anunciavam o fim do mundo, mas a única coisa que acabava ali eram as
minhas incertezas.
Infelizmente,
eu tenho esse jeito de aprender as coisas da pior maneira, mas também, depois
de aprendida, a lição é permanente, pelo menos dessa vez foi. Quando cai nesse
abismo, um mundo novo surgiu na minha frente, mas perdi a base de uma forma tão
brusca, que agora o mundo que se abre é dentro de mim.
A dor que eu
senti ao parar foi o suficiente para eu voltar a caminhar sem pressa e com
objetivo. Ainda não recuperei totalmente a pele que arranquei devido a tantas
pedras no caminho, mas o abismo não é mais um lugar desconhecido.
Agora eu
conheço cada canto e sei muito bem onde o sol está, pois quando precisei de
luz, ele apareceu perto do rio e então eu pude ver o meu reflexo naquele
espelho.
Não calcei
mais tênis algum, mas também não andei mais descalça, visto meu chinelinho
sempre que posso. Não preciso mais correr, apesar de todos os dias sentir as
folhas das árvores balançando por causa da mania de fazer desse abismo uma
pista amadora de corrida. Prefiro andar devagar e reparar no caminho. Tenho
tempo pra isso.
Agora, só
caminho descalça quando estou perto do mar.
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