quarta-feira, 6 de abril de 2011

Fim de soneto.




Eram 6 horas da manhã quando resolveu juntar as suas coisas mais íntimas e bonitas. O pensamento era mecânico e objetivo, pois se parasse para questionar tudo aquilo, dormiria e esperaria o dia amanhecer, trabalharia, estudaria e assim seguiria com a distração comum dos ponteiros fluorescentes.
A explicação pra tudo isso é bem óbvia. Cansada de acordar sem motivo, se viu obrigada a aproveitar o tempo de uma maneira melhor. Juntou um bom dinheiro para uma coisa que acabou não acontecendo e era hora de gastá-lo sem muitos questionamentos.
Juntou algumas roupas, blocos de anotações e elásticos de cabelos. Levou o celular também, mas sem créditos ou conta, só para ouvir música. Não desceu a escada na ponta dos pés nem deixou bilhete de despedida. Não era uma fuga, era um passeio sem uma possível volta. Apenas isso.
Fechou a porta e levou as chaves, foi até a estação de trem para pegar o ônibus.
Foi a primeira vez que saiu de casa.
Três anos depois, ela trabalhava em um bar e estava no último semestre do curso para ser enfermeira. Sua rotina era tão puxada que nos finais de semana ela dormia quase sem parar. Ela dividia o apartamento com uma menina, mas quase não se viam. Sempre guardando dinheiro, ela passava os dias falando, andando, se comportando de forma estúpida propositalmente. Engolia sapos e sentia raiva do trânsito, conversava sobre sexo como se soubesse muito do assunto e assistia à novelas comendo pipoca. Em um feriado de páscoa, guardou todos os seus livros em uma mochila e um pouco de roupa na outra. Deixou o dinheiro do aluguel adiantado e fechou a porta com força.
Foi a segunda vez que saiu de casa
Quatorze anos depois, ela já estava casada, mas sem filhos. Casou-se com um saxofonista que conhecera no bar que trabalhava e a casa deles era cheia de alegria. Seu marido pintava notas musicais nas paredes e deixava sempre um versinho de Vinícius em cima da mesa de jantar. Sua coleção de filmes se espalhava pelo chão junto com os lençóis manchados de vinho. Nunca mais soube notícias dos pais, nem pretendia ser mãe, mas era feliz pelo simples fato de ter algo para criar, esse algo abstrato, mas sentido de todas as maneiras.
Um dia olhou em sua volta e percebeu a luz do sol entrando pela fresta da janela. O sol ardeu os olhos e arrepiou a nunca. Ela percebeu como a cortina estava suja e seu porta-retrato empoeirado.
Arrumou suas malas.
Sentiria falta de muitas coisas, mas de uma especial, de seu marido dizendo: “Você me tirou a solidão.”
Foi a terceira vez que saiu de casa.
Ela segurou aquela criança com lágrimas nos olhos. Imaginou um rosto limpo e nariz arrebitadinho, cabelos negros e olhos grandes. Imaginou uniforme escolar e primeiro choro de medo do escuro. Pensou na agitação do primeiro amor e no choro infeliz da primeira nota baixa.
Depois de tudo isso, entregou-a para mãe emocionada. Saiu da sala de parto, foi até o banheiro e soltou o cabelos. Olhou-se no espelho, tirou o jaleco de ajudante e guardou no armário.
Resolveu sair do hospital e ir até o bar que o marido tocava.
Ele estava bonito, de terno sem gravata e cabelo sem corte. Tocou baladinhas românticas, pois era quarta-feira e em dia de semana ele não tocava sax, só violão. Ela sempre achou que ele tocava violão muito melhor do que tocava sax, mas ele não acreditava.
Observou de longe, cantou junto com ele, fechou os olhos no momento dos solinhos e deu um tchau tímido: “Se você soubesse o quanto você me fez feliz”. Pensou sorrindo.
Chegou em casa, tomou banho e dormiu.

“E ir conjugar o verbo no infinito”
Era a frase que ele mais escrevia, mais cantava, mais dizia perto do seu ouvido.
Sem saber que a frase que ela mais gostava era: “Que seja eterno enquanto dure.”
E assim, ela se sentia em um mundo.
Nunca em casa.

3 comentários:

Paola Caputo disse...

Maravilhoso, juro. Me arrepiei! :)

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vinicius disse...

Everything money can't buy.