domingo, 11 de julho de 2010

Nascer, viver e amar ad infinitum.



"Ouve-me então com o teu corpo inteiro."
Clarice Lispector - Água Viva - página 10.

Era noite fria de inverno e ela já estava preparando o jantar. Como de costume, ela esquentava o pão no forno quando ele entrou pela porta e colocou o refrigerante rotineiro em cima da mesa. Foi até o quarto trocar a camisa e voltou com a sua velha camiseta da época do cursinho.
Ela estranhou o fato de não receber o “beijo de boa noite” e ficou encucada com isso. Ele não era o homem mais romântico do mundo, mas fazia questão de ser bem metódico em certas ocasiões. Ela percebeu também que ele levou uma sacola para o quarto, mas resolveu não falar nada, se fosse importante, tocaria no assunto na hora do jantar.
Pra falar a verdade não tinham uma “hora do jantar”. Simplesmente comiam e conversavam . Eles nunca usavam a mesa também, só para colocar a panela em cima e o refrigerante. O refrigerante não podia faltar. Podiam ficar sem água, mas sem aquele refrigerante gelado a noite não era completa. E ninguém lavava a louça depois de comer. Eles enfileiravam tudo na pia e iam assistir televisão no sofá. Depois, quando já era hora de dormir, ela ia até a cozinha e lavava, talvez porque ela tomava toddy todos os dias antes de deitar e a louça estava ali, não custava nada lavar. E quando voltava para sala, encontrava ele no sofá dormindo. O bom é que a casa era tão pequena que sala e quarto se confundiam e não era preciso acordá-lo para ir para a cama. Ela só disse baixinho no seu ouvido: “Levanta, vá escovar os dentes e não se esqueça que amanhã é sábado, você vai poder dormir o quanto quiser”. Ele levantou preguiçoso e foi até o banheiro. Ela terminou o seu toddy e colocou a xícara na pia. Mais uma louça para lavar no dia seguinte.
Então, ela foi até o banheiro e o abraçou na cintura. Começou a olhar para ele no espelho. Gostava de observar ele comendo, ele escovando os dentes, ele comentando como foi o dia no trabalho. Não sei se ele a via como uma esposa dedicada – até porque estava longe de ser uma – ou se a via como sua namorada bonita e jovem.
Ela o via como seu sonho em forma de ser.
Ele acabou de escovar os dentes e esperou ela escovar os dela. Depois, segurou seu rosto e a beijou com tranqüilidade. Como se aqueles beijos fossem deles e fossem eternos.
E eram.
Antes mesmo de chegarem na cama ele tirou a camiseta dela. Ela estranhou mais uma vez, pois ultimamente ele andava bem cansado e os beijos apaixonados já valiam para uma noite toda. Ele apagou a luz e então ela não estranhou mais nada.
Conhecia bem cada movimento dele. Suas mãos apressadas, suas risadas calmas, sua inquietação jovem, suas atitudes que mudavam a cada som produzido de forma natural, verdadeira. Os dois usavam todos os sentidos, até a visão, pois a janela sempre ficava aberta e a noite sempre foi clara em dias frios.
Quando o celular despertou às 5 horas, eles ainda estavam acordados e ela tinha esquecido de não programar o alarme aos sábados. Ele riu quando ela pegou o celular e simplesmente desligou o aparelho.
Ele foi até o pé da cama e tirou o conteúdo da sacola. Era um vinho.
- Por que você comprou um vinho?
- Porque vamos comemorar algo hoje.
- Hahaha. Romantismo te pegou de jeito mesmo. Comemorar o quê? O nosso amor? Por que se for, nós comemoramos todos os dias com refrigerante. Hahahaha
- Não, nós vamos comemorar o nascimento do nosso filho.
-Filho? Como você sabe que o nosso filho nasceu hoje?
-Porque o nosso amor nasce de novo a cada noite igual a essa.
Ela o olhou de forma radiante. E sorriu. E fechou os olhos.
Na manhã seguinte, ele comprou mais uma xícara e mais toddy.

Um comentário:

Bruno disse...

acelerou meu coração!