sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Refletor.




Resolveu desligar o computador três horas, a televisão estava ligada sem som, como de costume, e ela estava bem feliz por ter o sofá só pra ela. Arranjou algo na geladeira (agora sempre cheia) e deu uma risada saudosa quando recordou os tempos de bolacha com margarina.
Foi para o sofá, ficou totalmente no escuro e andou até a sacada para afastar um pouco as cortinas. Disse inúmeras vezes como odiava cortina e mesmo assim sua mãe colocou. Pensou irritada: "Na minha casa vai ser diferente" Ou não, já que como filha, herdara todas as manias da mãe, até a de colocar a toalha de rosto da cor do azulejo para o banheiro de visitas.
Silêncio vazio. Em outros tempos começaria a chorar de saudade e pensar: "A essa hora eu estaria em algum bar jogando conversa fora" e choraria mais ainda por saber que não vivenciaria isso de novo tão cedo.
Mas dessa vez não, ela escolheu ficar em casa. Resolveu alugar aquele filme e comprar aquela barra enorme de chocolate para lembrar o porque ainda quer fazer disso sua razão.
Ela ainda gosta de combinar o brinco com a blusa, de textos femininos, de clima primaveril, mas sentia que algo estava diferente.
O relógio no pulso denunciava uma certa escravidão pelo tempo, o anel em forma de flor nos dedos com as unhas mal feitas, informava uma certa delicadeza mesmo com a revelação do feio, o tênis com sola deu lugar ao tênis sem sola, é mais seguro. Dura mais.
De repente, começou a se despir.
A blusa branca caiu para fora do sofá, a bermuda jeans caiu rapidamente nos pés, o sutiã e a calcinha, devagar, saíram de seu corpo, como se tivessem vida.
Agora, nua, a diferença não estava visível e acho que ao fazer isso, ela tinha uma intenção. Descobrir o que realmente estava diferente.
Ao fechar os olhos e lembrar de dias bonitos sem derramar uma simples lágrima, ela percebeu que não chorava mais, endureceu o suficiente para aceitar que lembranças fazem parte do passado.
Abriu os olhos e tentou não pensar em futuro, no passado e muito menos no presente. Amadureceu o suficiente para perceber que o tempo não tem culpa de nada. Aliás, é ele que a ajudou a parar de chorar, ou melhor, a falta dele.
Parar de sonhar ela não fez. Não conseguiria passar um dia sem imaginar sua casinha na praia...
Será que algo realmente mudou de fato?
Não.
Ainda esperava o dia em que alguém a tirasse daquele sofá e falasse, baixinho.
"Vamos dormir na cama."

Nenhum comentário: